TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2 – Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visuali­ zação ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.» Na decisão de 1.ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, aplicaram-se estes preceitos no sentido de que o tribunal pode valorar documento que, embora integre os autos desde o inquérito, não vem elencado na indicação de prova constante da acusação do Ministério Público, nem foi apresentado e discutido em audiência, para dar como provados factos desfavoráveis ao arguido. O recorrente acomete esta norma por violação dos n. os 1, 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição. 5. Deve, liminarmente, ser afastado o parâmetro do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porque nada há no discurso fundamentador da decisão recorrida que inculque ter presi­ dido ao sentido com que a norma foi aplicada ao caso dos autos qualquer ideia contrária à presunção de inocência do arguido em processo penal.  Efectivamente, do lato conjunto de incidências possíveis deste princípio, só poderia ser convocado, com um mínimo de verosimilhança para uma situação do género daquela que agora é sujeita ao Tribunal, o sentido deste comando constitucional que consiste na proibição da inversão do ónus da prova em detrimento do arguido e o princípio in dubio pro reo que lhe anda associado. Ora, valorar um certo documento, assinado pelo arguido e relativo à realização de uma perícia (recolha de amostra de sangue para exame), em conjunto com outros elementos de prova, no sentido de que este deu o seu consentimento para a realização desse acto de perícia na fase de inquérito, é actuação que se mantém no plano da livre valoração da prova. Com isso, não se faz incidir sobre o arguido qualquer ónus probatório, nem tal procedimento revela que, nessa apreciação, o juiz tenha postergado o princípio que manda que se pronuncie de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Resta, pois, apreciar a alegada violação dos n. os 1 e 5 do artigo 32.º da CRP. 6. A garantia constitucional de que o processo penal assegure todas as garantias de defesa (n.º 1 do artigo 32.º) é, de certo modo, reassuntiva, ou expressão condensada, dos princípios tuteladores da posição do arguido que se extraem dos diversos números do mesmo artigo 32.º da CRP, pelo que a ideia de um pro- cesso penal orientado para a defesa tem de estar presente quando se analisam as normas de estruturação do processo penal que a Constituição seguidamente densifica, designadamente a consagração do princípio do acusatório e do princípio do contraditório. A norma em apreciação contém duas vertentes ou dois aspectos problemáticos. O primeiro deles é aquele em que permite que prova documental constante do processo seja apreciada pelo juiz do julgamento, sem submissão a expresso exame em audiência. E o segundo consiste em ser permitido ao juiz valorar oficio- samente prova documental, incorporada nos autos desde a fase de inquérito mas não incluída expressamente na indicação de prova constante da acusação do Ministério Público. Vertentes que vão ser analisadas separa- damente porque têm incidências problemáticas distintas. 7. Comecemos pela questão do exame dos documentos em audiência. O artigo 355.º do CPP contém a regra geral da proibição de valoração de prova não produzida ou exa­ minada em audiência. Na interpretação deste preceito, em conjugação com a alínea b ) do n.º 1 do artigo 356.º, levantaram-se dúvidas na prática judiciária sobre se os documentos constantes do processo têm de ser expressamente examinados em audiência para poderem ser valorados na fixação da matéria de facto. O acórdão recorrido seguiu o entendimento jurisprudencialmente firmado a este propósito (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Vol., anotação ao artigo 355.º). Segundo este entendi- mento quase unânime, não se tratando de autos de inquérito ou de instrução cuja leitura seja proibida, como sucede com aqueles que contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas

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