TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Acompanhei a decisão. Divergi, no entanto, da fundamentação pelos seguintes motivos. 1. Ao contrário do que sucede em vários outros ordenamentos nacionais, o sistema português de juris dição constitucional não integra procedimentos próprios destinados à composição, por parte do Tribunal Constitucional, de conflitos de competências entre órgãos de soberania ou entre órgãos do Estado e órgãos autonómicos. Nesses lugares onde existem, servem tais procedimentos o propósito de assegurar que a justiça constitucional disponha de instrumentos suficientes para fazer cumprir a divisão dos poderes, fixada pela Lei Fundamental na disposição dos órgãos do Estado ou nas relações entre estes e os órgãos próprios de entes dotados de autonomia política e legislativa. Apesar de não integrar este tipo de procedimentos, o sistema português de justiça constitucional não é necessariamente deficitário quanto à devida tutela da separação dos poderes. O que noutros lugares se faz através de instrumentos processuais especiais pode fazer-se em Portugal através dos meios processuais comuns, ou seja, através dos processos de controlo de constitucionalidade de normas, surjam eles a título sucessivo ou, como é o caso, a título preventivo. Ponto é que o conceito de “norma” objecto de controlo inclua, como desde sempre tem entendido a jurisprudência, o conteúdo de qualquer acto formalmente legis lativo. No caso, a Assembleia da República enviou ao Presidente, para ser promulgado como lei, um decreto determinando o seguinte: deve o Governo iniciar os procedimentos, negociais, legais e regulamentares, que conduzam à adopção de um novo modelo de avaliação de desempenho dos docentes que “produzirá efeitos” a partir do próximo ano lectivo; entretanto, fica “suspenso” o modelo já existente, o que implica que, até à entrada em vigor do novo, sejam aplicáveis os procedimentos de avaliação que, definidos por despacho, reflectiam as opções anteriores às do modelo existente. O decreto regulamentar que incorporava este último fica revogado. Ameu ver, este acto do Parlamento deve ser julgado peloTribunal no seu conjunto. As diferentes “normas” que o compõem– a norma que impõe que oGoverno adopte, em certo prazo, uma nova política de avaliação de desempenho dos docentes (política essa que se realizará através de um certo procedimento, que inclui, mas se não esgota, na prática de actos normativos); a norma que repõe em vigor, de forma intercalar, o despacho que definia as regras próprias do “modelo” anteriormente existente; a norma que revoga o decreto regulamen- tar que disciplinava o “modelo” que o Parlamento pretende fazer desaparecer – integram um bloco que só adquire o seu pleno sentido quando visto na sua unidade. O Parlamento, através de lei, pretende impor a destruição do “modelo” de avaliação de docentes que o Governo, através de uma sequência complexa de actos normativos e não normativos, antes definira. E ordena que o Governo escolha um outro modelo, impondo-lhe o reinício do procedimento que a tal conduza. 2. Assim entendido, na sua unidade, o acto do Parlamento, o problema que ele coloca não é, nem um problema de hierarquia de normas (de relação entre lei e regulamento), nem um problema de distinção substancial das funções do Estado (de limites da função legislativa face a uma eventual reserva da função administrativa). Não estão em causa relações entre normas ou entre funções. Estão em causa as relações entre dois diferentes Poderes do Estado, cada um deles dotado de estatuto constitucional próprio. É certo que a pergunta formal que a este propósito se formula é a de saber se a lei pode tudo e se tudo pode ser lei. Mas a pergunta substancial que por detrás da questão formal se esconde é a de saber quanto, em relação ao Gover no, pode o Parlamento. Penso que para responder a esta questão não basta considerar que o Governo é (por definição constitu- cional) o órgão superior da administração pública. Ou que lhe compete, enquanto tal, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis e praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e
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