TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

293 acórdão n.º 107/11 menção de nela se espelhar o entendimento do tribunal recorrido, pode introduzir um elemento de dúvida quanto à real extensão da incorporação das ponderações lógicas que suportam a decisão deste último. Mas é de sublinhar que a diferença de planos em que se desenvolvem as decisões dos tribunais comuns, por um lado, e do Tribunal Constitucional, por outro, leva – neste último caso – a acentuar com especial destaque a influência da norma na aplicação do direito para efeito da fiscalização que constitui o cerne da tarefa do Tribunal Constitucional. Assim, e ainda que, numa lógica puramente jurisdicional da resolução do conflito concreto, se possa admitir que a supressão do excerto considerado obiter dictum não prejudicaria o comando da decisão, mantendo-a íntegra e inabalada, o certo é que, para efeito da decisão do Tribunal Constitucional , a decisão recorrida deve ser encarada como um dado que o Tribunal deve aceitar totalmente. No caso concreto, a decisão recorrida acrescentou a fundamentação do aresto do tribunal de 1.ª ins­ tância, aplicando a norma transitória em causa, conforme decidira o acórdão do Pleno da Secção do Supre­ mo Tribunal Administrativo, proferido em 18 de Setembro de 2008. Por isso é lícito entender que essas normas integram igualmente a ratio decidendi do acórdão recorrido e devem incluir-se no objecto do recurso. 7.3. Argumenta ainda o Ministro das Finanças e da Administração Pública que oTribunal não deve conhe­ cer da matéria contida nas conclusões i), j), l) e m) da alegação do recorrente, por nelas se arguirem víciosde inconstitucionalidade não invocados no «requerimento de interposição a que se refere o artigo 75.°-A da LTC». Sustenta-se, por isso, que estaria «vedado» ao Tribunal conhecer e apreciar os vícios de inconstitucionalidade aduzidos ex novo em sede de alegações de recurso. É no requerimento de interposição que o recorrente define o âmbito e o objecto do recurso e, por isso, a LTC é particularmente exigente quanto às menções que devem nele constar. E a verdade é que, quanto ao recurso previsto na alínea b ) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC exige que, no referido requerimento, se indique o parâmetro constitucional alegadamente violado; ora, não devendo o Tribunal desconsiderar esta exigência, não atribuindo a mínima relevância preclusiva à declaração assim imposta, a identificação do parâmetro constituirá um elemento da caracterização do recurso, definindo a extensão da questão de inconstitucionalidade que a parte quer ver tratada, de acordo, aliás, com o princípio do pedido adoptado na LTC, que entrega ao recorrente a incumbência de definir o âmbito do recurso. Mas é útil recordar, ainda neste domínio, que a tarefa do Tribunal se rege pelo princípio iura novit curia segundo o qual a responsabilidade pela escolha, interpretação e aplicação do direito ao caso concreto cabe uni- camente ao Tribunal, como é exigido pelo atributo que verdadeiramente caracteriza a actividade jurisdicional: a liberdade de julgamento. O Tribunal não está impedido, portanto, de averiguar da conformidade consti- tucional da norma segundo regras jurídicas não invocadas pelo recorrente. É a ele que incumbe «administrar a justiça» assegurando «a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (...) e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», aplicando o direito ex officio , com sujeição à lei. Às partes cabe trazer ao tribunal os dados da questão e formular o pedido – da mihi factum, dabo tibi ius ; narra mihi factum, narro tibi ius –, mas não podem limitar a autoridade do tribunal quanto à escolha e interpretação do direito. É neste contexto de liberdade de julgamento que rege a disciplina do artigo 79.º-C da LTC, que permite ao Tribunal julgar inconstitucional a norma objecto do recurso com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada. O poder assim conferido deve ser exercido sempre que o Tribunal entender que a norma não se mostra conforme com a Constituição por um motivo que não foi invocado pelo recorrente. O artigo 79.º-C tem, portanto, uma ratio que se interliga com o princípio constante do artigo 204.º da Constituição, de acordo com o qual os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. É para defesa desta garantia que se permite que o Tribunal Constitucional julgue inconstitucional (ou em casos de ilegalidade especialmente agravada , ilegal) a norma objecto do recurso, ainda que o fundamento não tenha sido invocado pela parte – para assegurar, em último termo, que os tribunais não apliquem uma norma que ofenda a Constituição. Ela é, em suma, uma “garantia de uma decisão judicial em conformidade com a Constituição no caso concreto” (J. J. Gomes Cano- tilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 519).

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