TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nada parece proibir que a lei fixe um prazo côngruo para regulamentação das leis que dela precisem para serem exequíveis. O sistema jurídico contém mesmo um meio contencioso para declaração da correspondente ilegalidade por omissão, pelo menos relativamente a regulamentos de execução e a regulamentos complemen- tares (artigo 77.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Almedina, 2010, p. 502). Mas a norma em presença não pode ser interpretada como de estatuição de um mero prazo para o Governo regulamentar as normas do Estatuto que disso careçam, porque não houve aí qualquer alteração e a matéria já estava regulamentada. O seu sentido jurídico é, na base de um juízo político “não serve, faça-se outro”, o de vincular o Governo a iniciar o processo negocial com vista ao estabelecimento de um novo modelo de avaliação. E, em ordem a garantir esse efeito, concretizando uma intencionalidade juridicamente vinculante e não uma mera recomendação de cariz político, priva-se a Administração do instrumento normativo de gestão existente e fixa-se um limite temporal ( deadline ) para que um outro seja estabelecido: o início do próximo ano lectivo. Ora, salvo naqueles aspectos em que o processo negocial se encontra legalmente pré-determinado, designa­ damente para cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 56.º da Constituição quanto à elaboração do Orçamento (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio), a decisão sobre o se e o quando da iniciativa de desencadear negociações com vista à alteração do ordenamento – com as associações sindicais ou com outros portadores de interesses que devam participar – é uma opção política que um órgão de soberania não pode impor ao outro, mesmo nos espaços onde ambos concorram no poder de regulação emergente, seja este equiordenado (lei – decreto-lei), seja escalonado (acto legislativo – acto regulamentar). E não pode sequer invocar-se o maior apetrechamento ou relação de proximidade do Governo com a matéria a regular para levar a cabo os actos propedêuticos ou preparatórios e a necessidade de viabilizar as opçõespolíticas primárias que à Assembleia, como órgão de representação da vontade geral também com- petem. As relações do Governo com a Assembleia da República são relações de autonomia e de prestação de contas e de responsabilidade; não são relações de subordinação hierárquica ou de superintendência, pelo que não pode o Governo ser vinculado a exercer o seu poder regulamentar (ou legislativo) por instruções ou injunções da Assembleia da República (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., Vol. II, p. 415). Efectivamente, o Governo é um órgão dotado de legitimidade e competências constitucionais próprias, cujo estatuto escapa à decisão do legislador ordinário. Dentro dos limites da Constituição e da lei, o Governo é autónomo no exercício da função governativa e da função administrativa. Nas zonas de confluência entre actos de condução política e actos de administração a cargo do Governo a dimensão positiva do princípio da separação e interdependência de órgãos de soberania impõe um limite funcional ao uso da competência legislativa universal da Assembleia da República [artigo 161.º, alínea c) , da CRP], de modo que esse poder de chamar a si do Parlamento não transmude a forma legislativa num meio enviezado de exercício de com- petências de fiscalização com esvaziamento, pelo controlo democrático-parlamentar e pela regra da maioria, do núcleo essencial da posição constitucional do Governo enquanto órgão superior da administração pública (artigo 182.º da CRP), encarregado de dirigir os serviços da administração directa do Estado [artigo 199.º, alínea d), da CRP]. A Assembleia pode rejeitar as propostas do Governo, pode negar-lhe instrumentos de governação ( v. g. não aprovação do Orçamento, recusa de autorizações legislativas), pode criticá-lo e pode, em último extremo, provocar a sua demissão mediante moções de censura [artigos 194.º e 195.º, n.º 1, alínea f ) , da CRP]. Pode mesmo adoptar leis contrárias ao programa do Governo, alterando as opções primárias do regime jurídico em determinado domínio – mesmo da função pública, com os limites materiais e o previsto no artigo 167.º, n.º 3, da CRP – a que a Administração tem depois de conformar a sua actuação, seja medianteactos individuais de execução, seja no exercício da competência regulamentar. Compete-lhe, como já se referiu, apreciar os actos do Governo e da Administração, sejam eles de natureza normativa ou de aplicação individual e concreta [artigo 162.º, alínea a), da CRP], podendo criticar o modo como essa actividade é desenvolvida e, inclusivamente, dirigir-lhe recomendações, o que aliás fez, mediante as refe- ridas Resoluções n.º 93/2011 e n.º 94/2011. Mas não pode ordenar-lhe a prática de determinados actos políticos ou a adopção de determinadas orientações (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit. , p. 414).

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