TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

279 acórdão n.º 97/11 previstos em diplomas legais autónomos. A esse propósito, discutiu-se a admissibilidade constitucional de soluções normativas que puniam, de modo mais gravoso, crimes praticados por militares (exemplo: crimes de burla, de falsificação e de insubordinação por meio de ameaças), em contraposição com tipos de crimes idên- ticos, genericamente previstos no Código Penal (assim, ver Acórdãos n.º 347/86, n.º 370/94, n.º 958/96, n.º 329/97 e n.º 108/99, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) . Desta jurisprudência extrai-se, por um lado, que oTribunal tem entendido que o respeito pelos princípios da igualdade e da proporcionalidade pressupõe a susceptibilidade de deslindar, no tipo de ilícito mais severa- mente punido, um particular factor que legitime a agravação da medida abstracta da pena aplicável. Quer dizer, o tratamento diferenciado de condutas penalmente puníveis pode justificar-se, em função de determi- nados critérios objectiváveis, designadamente, pelas concretas características dos agentes do crime. Por outro lado, tendo em consideração que o legislador dispõe de uma ampla liberdade de conformação normativa, a intervenção do Tribunal Constitucional deve limitar-se aos casos em que se verifique uma vio- lação grave e manifesta de tais princípios. Assim sendo, importa, portanto, verificar se subjazem razões substantivas que justifiquem o tratamento legislativo diferenciado de condutas (aparentemente) similares, neste caso, da falta de entrega de quantias devidas à administração tributária e da falta de entrega de quantias devidas à segurança social. Deve, desde já, frisar-se que, por força da alteração legislativa introduzida pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, o artigo 105.º, n.º 1, do RGIT passou apenas a incriminar a falta de entrega de quantias superiores a € 7500. Contudo, tal descriminalização não implicou uma integral ausência de responsabiliza- ção dos sujeitos de tal dever legal de entrega, visto que tal omissão continua a ser punida a título de contra- -ordenação, por força do artigo 114.º do RGIT. Consequentemente, a falta de entrega de quantias devidas à administração tributária apenas implica a prática de contra-ordenação, quando o montante em dívida ascenda a € 7500, enquanto a falta de entrega de montante similar, à segurança social, envolve a prático do crime tipificado no artigo 107.º, n.º 1, do RGIT. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre o problema do concurso entre estastrês normas jurídicas (artigos 105.º, 107.º, do RGIT, de um lado, e artigo 114.º, do RGIT, por outro). Fê-lo no Acórdão n.º 61/07 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) , nos termos do qual rea­ firmou jurisprudência anterior decisiva para a boa decisão da presente questão normativa. Veja-se, então: «No fundo, os agora recorrentes consideram que, ao admitir a hipótese de o mesmo facto ser havido como crime ou como contra-ordenação, a lei, por um lado, reconhece a falta de dignidade penal do mesmo, assim vio- lando o artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição e, por outro, cria um privilégio injustificado para os créditos de que é titular o Estado, agora ofendendo o artigo 13.º, também da Constituição. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador a determinação das condutas que devem ser criminalizadas. Necessário é, naturalmente, que a opção se não faça em violação das regras e princípios constitucionais relevantes na matéria. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 134/01 ( www.tribunalconstitucional.pt ), neste ponto transcrevendo o Acórdão n.º 604/99 ( Diário da República , II Série, de 26 de Maio de 2000), relembrou-se o seguinte: “Como se observou noutro aresto (…), o n.º 1142/96, ‘se é sabido que o direito penal de um Estado de direito visa a protecção de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário, só estes assumindo dignidade penal, o certo é que a Constituição não contém qualquer proibição de criminalização, e, observados que sejam certos princípios, como sejam o princípio da justiça, o princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade [...] ‘o legislador goza de ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela penal (e, assim, na decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais)’, (na linguagem do Acórdão n.º 83/95, publicado no Diário da República , II Série, n.º 137, de 16 de Junho de 1995, que seguiu na linha dos Acórdãos n. os 634/93 e 650/93, publicados no Diário da República, II Série, Suplemento, n.º 76, de 31 de Março de 1994).

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