TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

274 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pelo Tri- bunal da Relação de Coimbra, para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída “do n.º 1 do artigo 107.º do RGIT quando interpretado no sentido de que o limite de € 7500 estabelecido no n.º 1 do artigo 105.º do mesmo diploma, para o abuso de confiança fiscal, não se aplica ao abuso contra a Segurança Social”. 2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais se podem extrair as seguintesconclusões: «A – O valor protegido pelo n.° 1 do artigo 105.° do RGIT e o protegido pelo artigo 107.° do mesmo diploma é idêntico, ou seja, a defesa do erário público. B – A conduta do agente faltoso, quer quando faz a dedução ou retenção de uma quantia para a Segurança Social quer quando faz a retenção do IVA ou do IRS e omite a sua entrega ao credor, é idêntica. C – A não entrega da prestação deduzida ou retida, quer se trate de omissão de entrega de impostos ao Fisco quer se trata de omissão de entrega à Segurança Social de prestações deduzidas aos vencimentos dos trabalhadores, é uma conduta cujo desvalor é idêntico, merecendo por isso igual censura. D – A não entrega de prestações devidas à Segurança Social ou a omissão de entrega de impostos retidos põe em causa valores idênticos – as necessidades financeiras do Estado Fiscal - Social. E – A interpretação do artigo 107.° do RGIT, no sentido de que a remissão feita para o n.° 1 do artigo 105.° do mesmo diploma apenas se refere à moldura penal e não à condição objectiva de punibilidade, consistente na exigência para que a conduta omissiva seja punida criminalmente que o valor da prestação em falta seja de valor superior a 7500 euros, viola os princípios constitucionais da igualdade (n.º 1 do artigo 13.° da CRP) e da propor- cionalidade, decorrente do artigo 2.° e do n.º 2 do artigo 18.° da CRP.» (fls. 1162 a 1163). 3. Devidamente notificado para o efeito, o Ministério Público veio apresentar contra-alegações, cujas conclusões são as seguintes: «1 – Porque durante o processo não se suscitou de forma adequada uma verdadeira questão de inconstitucio- nalidade normativa e porque a norma identificada no requerimento de interposição do recurso – o artigo 107.º, n.º 1, do RGIT – não pode constituir o suporte normativo da questão de inconstitucionalidade que vem enun- ciada, não deverá conhecer-se do objecto do recurso. 2 – O legislador ordinário – que terá de ser a Assembleia da República ou Governo se para tal autorizado por aquela – goza de uma ampla liberdade de conformação em matéria de definição de crimes e fixação de penas. 3 – As infracções contra a Segurança Social – até historicamente - têm alguma autonomia face às infracções praticadas no âmbito fiscal, podendo variar o quadro sancionatório num e no outro ramo, face à constatação da sua suficiência, ou não, num determinado período e tendo em atenção as exigências e os fins próprios de cada um. 4 – Com a alteração introduzida no n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, deixou de ser criminalmente punível como abuso de confiança fiscal, a não entrega à admi­ nistração tributária de prestação tributária de valor igual ou inferior a € 7500. 5 – Tal conduta, no entanto, continua a ser punível como contra-ordenação (artigo 114.º, n.º 1, do RGIT).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=