TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
27 acórdão n.º 214/11 Ora, o Governo é “o órgão superior da administração pública” (artigo 182.º da CRP), nessa qualidade lhe competindo desempenhar uma série de funções constitucionais, designadamente, no exercício da função administrativa em matéria de direcção dos serviços e da actividade da administração directa do Estado [artigo 199.º, alínea e), da CRP], praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado [artigo 199.º, alínea d), da CRP] e fazer, para tanto, os regulamentos necessários à boa execução das leis [artigo 199.º, alínea c) , da CRP]. Ao abrigo e com recurso aos correspondentes instrumentos normati- vos, cabe-lhe conduzir, de acordo com os princípios de precedência e prevalência da lei, as políticas públicas legalmente definidas e por cuja execução é responsável. Uma destas é a política de avaliação sistemática do desempenho na Administração Pública, extensível ao pessoal docente do ensino básico e secundário, “visan- do a melhoria da qualidade do serviço educativo e das aprendizagens dos alunos e proporcionar orientações para o desenvolvimento pessoal e profissional no quadro de um sistema de reconhecimento do mérito e da excelência”, na fraseologia do artigo 40.º do Estatuto. A Assembleia da República pode, mediante um acto legislativo, não só modificar essas opções fundamentais, como até pré-ocupar a regulação do procedimento através do qual se procede à avaliação (o modelo). Se assim proceder, o Governo no exercício do poder regu- lamentar, se ainda fôr necessário ou restar qualquer margem de complementação, de acordo com o princípio da prevalência de lei, e a Administração escolar, em obediência ao princípio da legalidade, estarão vinculados a agir em conformidade (artigo 266.º da CRP). Mas, no espaço não ocupado por acto legislativo, cabe ao Governo determinar qual o conteúdo do acto regulamentar exigido pela “boa execução da lei”. E isso só a ele compete no exercício da competência administrativa [artigo 199.º, alínea c) , da CRP], embora sob controlo de legalidade e constitucionalidade por parte dos tribunais. Relativamente a esse exercício do poder administrativo regulamentar a Assembleia da República só pode exercer as suas competências de fiscalização [artigo 162.º, alínea a), da CRP], através de uma variedade de actos e procedimentos de muito diversa natureza, que vão desde intervenções e votos antes da ordem do dia, perguntas e interpelações ao Governo, apreciação de petições, até aos inquéritos parlamentares, mas tem de respeitar a separação entre órgãos de soberania não podendo usurpar as funções próprias do Governo, designadamente as de direcção da administração directa do Estado, que é o âmbito que agora interessa (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., Vol. II, p. 299). Um acto legislativo do Parlamento que, mantendo intocados os parâmetros legais em função dos quais determinada actividade administrativa há-de ser prosseguida e a actividade normativa derivada necessária há-de ser desenvolvida, se limita a revogar a regulamentação produzida ao abrigo dessa mesma legislação que o Governo continua a ter de executar, priva este órgão de soberania dos instrumentos que a Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe estão constitucionalmente cometidas [ maxime artigos 182.º, última parte, 199.º, alínea e ), primeira parte, e 199.º, alínea c), da CRP], quebrando toda a racio- nalidade do sistema de separação e interdependência entre órgãos de soberania. É o próprio pressuposto da responsabilidade política do Governo, na estrutura triádica de organização do poder político constituciona- lmente definida [artigo 190.º da CRP], que assim o exige, porque dificilmente se concebe o funcionamento de um sistema de responsabilidade política de um órgão perante actuações totalmente heterodeterminadas ou para cuja prossecução foi privado dos meios instrumentais de acção autónoma. Procede, pois, quanto à norma do artigo 3.º do Decreto a imputação de violação do princípio de sepa- ração e interdependência dos órgãos de soberania. 12. O Presidente da República questiona também a conformidade ao princípio da separação de poderes quanto ao artigo 1.º do mesmo Decreto n.º 84/XI, da Assembleia da República que dispõe que, “Até final do presente ano lectivo, o Governo inicia o processo de negociação sindical tendente à aprovação do enquadra- mento legal e regulamentar que concretize um novo modelo de avaliação do desempenho de docentes, de modo a produzir efeitos a partir do início do próximo ano lectivo.”
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=