TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
269 acórdão n.º 95/11 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83 –, por a consumação destes não depender da criação de um perigo e nem sequer da concreta perigosidade da acção. No entanto, não se pode concluir que estas incriminações violam, in totum, o aludido princípio constitucional. A sua compatibilidade com a Constituição dependerá, decisivamente, da razoabilidade da antecipação da tutela penal quando se incriminam, desde logo, acções que têm em geral aptidão para serem elementos do processo causal dos danos ligados ao tráfico de estupefacientes – tanto os danos das pessoas dos consumidores como os da sociedade –, abstraindo de outras condições indispensáveis para que no caso se produzam realmente tais danos ou sequer o perigo concreto da produção deles. (…) 18 – No que respeita ao tráfico de estupefacientes, é hoje evidente a necessidade da incriminação de perigo, para promover a tutela de bens jurídicos essenciais. Neste contexto, a alternativa de recorrer, em exclusivo, às tradicionais incriminações do homicídio e das ofensas corporais, designadamente, revela-se insuficiente. E cabe certamente na margem de apreciação do legislador criminal, como se expôs, entender que, desde logo, as condutas descritas no n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83 acarretam, por si mesmas, uma grave carência de defesa de bens jurídicos essenciais. Dificilmente se vislumbra, aliás, como poderá ser feita, num qual- quer caso, a prova de que o tráfico de estupefacientes é absolutamente insusceptível de criar perigo. Por conseguinte, a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83, tal como foi interpretada pelo tribunal a quo , não viola o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, implicitamente consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. D) A alegada violação do princípio da culpa 19 – O recorrente alega, expressamente, a violação do princípio da culpa, “…que decorre do artigo 25.º, n.º 1, da Constituição”, pelo n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83. Para fundamentar esta posição, o recorrente invoca os ensinamentos de Cavaleiro de Ferreira e de Figueiredo Dias. Fá-lo, no entanto, de forma equivocada, atribuindo a estes autores uma tese que eles não sustentam. Na verdade, ao citar os referidos autores, o recorrente pretende que os crimes de perigo abstracto contrariam sempre, pela sua natureza, o princípio de culpa. Ora, Cavaleiro de Ferreira, na obra e no local citados pelo recor- rente ( Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, A Lei Penal e a Teoria do Crime no Código Penal de 1982, 1988, pp. 240 a 245), nem sequer trata da distinção entre crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstracto, limitando-se a apreciar, criticamente, as incriminações de perigo comum constantes do Código Penal. Por seu turno, Figueiredo Dias não questiona a constitucionalidade dos crimes de perigo abstracto em geral, mas apenas a admissibilidade da criação destas incriminações no âmbito da protecção do ambiente (“Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente”, in Revista de Direito e Economia, IV, 1978, 1, p. 17). (…) 22 – Seria, no entanto, completamente deslocado transferir estas considerações feitas a propósito da defesa do ambiente – ou matérias similares – para o âmbito do tráfico de estupefacientes. As actividades em que o tráfico se analisa, no n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83, possuem uma ressonância ética só comparável, em intensidade, às “incriminações clássicas” às quais está associado, historicamente, o próprio conceito de crime, como o homicídio e o roubo. A condenação do tráfico de estupefacientes está indelevelmente inscrita na consciência ética das sociedades contemporâneas. Assim, a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83, na interpretação que lhe deu o tribunal recorrido, não viola o princípio da culpa, consagrado, conjugadamente, nos artigos 1.º e 25.º, n.º 1, da Constituição. E) A alegada violação do princípio da presunção de inocência do arguido 23 – O recorrente sustenta ainda que a norma em crise viola o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
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