TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

268 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Os “crimes de perigo abstracto-concreto” assentam pois numa ideia de que um tipo de crime origi- nariamente concebido como de perigo abstracto pode ser alvo de um juízo de afastamento de determinada conduta típica, desde que seja possível ao arguido demonstrar a inexistência do perigo, nas concretas circuns­ tâncias que se verificaram no momento da conduta originariamente típica. Desta feita, exige-se assim que o arguido afaste a presunção de perigo, demonstrando que, no caso concreto, a sua conduta não era susceptível de colocar em crise quaisquer bens jurídicos (neste sentido, ver José Faria e Costa, “O Perigo em Direito Penal”, op. cit ., nota de rodapé n.º 175, p. 643; Rui Patrício, “Crimes de Perigo”, op. cit., pp. 355 e 356). Ora, num primeiro momento, o recorrente vem colocar em causa a própria constitucionalidade de qualquer norma incriminadora que preveja um tipo de crime de perigo abstracto, por considerar que, nesses casos – e, em especial, no caso do crime de condução sob o efeito de álcool ou de estupefacientes (artigo 292.º do CP) –, tal incriminação constitui uma “tutela demasiado avançada do bem jurídico que coloca em crise o princípio da legalidade e o princípio da culpa”, por, no seu entender, se prescindir da verificação em concreto de um efectivo risco de lesão de bens jurídicos concretos. Ainda que nunca se tenha pronunciado sobre esta específica norma incriminadora, o Tribunal Consti- tucional já apreciou diversas normas que procederam à tipificação de crimes de perigo abstracto. Por exem­ plo, através do Acórdão n.º 144/04 (tal jurisprudência foi, posteriormente, confirmada pelos Acórdãos n.º 196/04, n.º 303/04, n.º 170/06, n.º 396/07, n.º 522/07 e n.º 591/07, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt ) , a propósito da configuração do crime de lenocínio, enquanto crime de perigo abstracto (então, artigo 170.º, n.º 1, do CP, correspondendo ao actual artigo 169.º, n.º 1, do CP), este Tri- bunal pôde concluir que: «O facto de a disposição legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desprotecção social. Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais situações de exploração, risco considerado elevado e não acei- tável, e é justificada pela prevenção dessas situações, concluindo‑se pelos estudos empíricos que tal risco é elevado e existe, efectivamente, no nosso país, na medida em que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas (sobre a realidade sociológica da prostituição cf., por exemplo, Almiro Simões Rodrigues, “Prosti- tuição: – Que conceito? – Que realidade?”, em Infância e Juventude, Revista da Direcção‑geral dos Serviços Tutelares de Menores, n.º 2, 1984, pp. 7 e segs., e José Martins Barra da Costa e Lurdes Barata Alves, Prostituição 2001 ..., ob.cit. , supra ) não é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de proteger bens jurídicos pessoais relaciona- dos com a autonomia e a liberdade. Ancora‑se esta solução legal num ponto de vista que tem ainda amparo num princípio de ofensividade, à luz de um entendimento compatível com o Estado de direito democrático, nos termos do qual se verificaria uma opção de política criminal baseada numa certa percepção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social (…)». Este Tribunal pronunciou-se igualmente sobre a compatibilidade da previsão legal de crimes de perigo abstracto com as exigências dos princípios da culpa e da proporcionalidade, a propósito do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro. Assim, o Acórdão n.º 426/91, de 6 de Novembro (posteriormente corroborado pelo Acórdão n.º 441/94, de 7 de Junho, ambos publicados no Diário da República , II Série, de 2 de Abril de 1992 e 27 de Outubro de 1994, respectivamente, bem como pelo Acórdão n.º 604/97, disponível in www.tribunalconstitucional.pt ) afirmou o seguinte: «17 – O problema da eventual violação do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança coloca-se com peculiar acuidade a respeito dos crimes de perigo abstracto – como o previsto no n.º 1 do artigo

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