TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
267 acórdão n.º 95/11 dano na esfera jurídica de terceiros, enquanto instrumento de antecipação da tutela penal de bens jurídicos carecidos de protecção legal. Deste modo, a mera potencialidade lesiva gera uma necessidade punitiva que é assegurada pelo Estado, mediante a antecipação do momento aferidor da responsabilidade penal. Como afirma Jorge de Figueiredo Dias: «Nos “crimes de perigo” a realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes se basta com a mera “colocação em perigo” do bem jurídico. Aqui distingue-se entre crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstracto. Nos crimes de perigo concreto o “perigo faz parte do tipo”, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha “efecti- vamente” sido posto em perigo. (…). Nos crimes de perigo abstracto o perigo não é elemento do tipo, mas simples- mente “motivo ” da proibição. Quer dizer, neste tipo de crimes são tipificados certos comportamentos em nome da sua “perigosidade típica” para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há como que uma “presunção inelidível” de perigo e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico. Diz-se também – sendo esta, malgrado as críticas que lhe possam ser dirigidas, uma razoável forma de expressão – que nesta espécie de crimes o perigo é presumido iuris et de iure pela lei. Temos como exemplo a condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.º), em que o condutor embriagado é punido pelo facto de o estado em que se encontra constituir um perigo potencial para a segurança rodoviária. (…)». In Direito Penal – Parte Geral, tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 309. Por outras palavras, de entre os crimes de perigo, distingue-se entre “crimes de perigo abstracto” e “crimes de perigo concreto”. Entre os primeiros figuram crimes em que a verificação ou a produção do perigo não constitui elemento típico, mas em que a potencialidade danosa indiciada pelo perigo constitui motivação da opção legislativa de incriminação, ainda que não seja possível individualizar um bem jurídico que seja objecto expectável de tal potencialidade de lesão. Já os segundos pressupõem a criação de um perigo especificamente dirigido a um bem jurídico determinado ou determinável, constituindo o próprio perigo um elemento do tipo de crime em questão (assim, ver, entre muitos outros, Rui Pereira, “O Dolo de Perigo”, op. cit., pp. 24 a 27; Rui Patrício, Erro sobre Regras Legais, Regulamentares ou Técnicas nos Crimes de Perigo Comum no Actual Direito Português , Lisboa, 2000, pp. 198 a 200; Idem, “Crimes de Perigo”, in Casos e Mate riais de Direito Penal , 3.ª edição, Coimbra, 2004, pp. 354 e 355). Citando de novo Figueiredo Dias: «Tem sido questionada, também entre nós, a constitucionalidade dos crimes de perigo abstracto pelo facto de poderem constituir uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico, pondo em sério risco quer o princípio da “legalidade” , quer o princípio da “culpa” (…). A doutrina maioritária e o TC pronunciam-se todavia, com razão, pela sua não inconstitucionalidade quando visarem a protecção de bens jurídicos de grande importância, quando for possível identificar claramente o bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto quanto possível precisa e minuciosa.» In op. cit., pp. 309 e 310. E prossegue Figueiredo Dias: « (…) no âmbito da discussão acerca da constitucionalidade deste tipo de crimes surgiram posições que preco nizam a não punição de condutas que configurem a prática de um crime de perigo abstracto quando se comprove que na realidade não existiu, de forma “absoluta” , perigo para o bem jurídico, ou que o agente tomou todas as medidas necessárias para evitar que o bem jurídico fosse colocado em perigo. A este propósito começou a falar-se na doutrina de crimes de perigo abstracto-concreto. Neles o perigo abstracto não é só critério interpretativo e de aplicação, mas deve também ser momento referencial da culpa e, por isso, admitem a “possibilidade de a perigosi- dade ser objecto de um juízo negativo”.» In op. cit., p. 310.
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