TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1.5. Diremos, por último, que no que toca à definição de crimes, o legislador ordinário – que terá de ser a Assembleia da República ou o Governo se para tal autorizado por aquela [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Consti- tuição] – goza de uma ampla liberdade de conformação, que apenas pode ser merecedora de censura constitucional nos casos em que a punição se apresente como manifestamente excessiva, desadequada ou desproporcionada ( v. g. , Acórdão n.º 245/03). Esta ampla liberdade na definição de crimes abrange, obviamente, a escolha dos comportamentos que exigem tutela penal, bem como os exactos elementos objectivos e subjectivos do tipo. Face a tudo o que se disse anteriormente, parece-nos evidente que o legislador, ao editar uma norma com a natureza da do artigo 292.º do Código Penal, agiu dentro dos limites impostos pela Constituição. 2. Conclusão Nestes termos e pelo exposto conclui-se: 1 – Tal como se encontra tipificado, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º do Código Penal, configura-se como um crime de perigo abstracto. 2 – Aquela norma, precisamente enquanto aí se prevê e pune um crime daquela natureza, não é inconstitucio- nal, pois não viola nem o princípio de culpa, nem o princípio de proporcionalidade, nem o princípio de presunção de inocência, consagrados, respectivamente, nos artigos 1.º e 25.º, 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 2, todos da Constituição. 3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.» (fls. 214 a 218) Cumpre, então, apreciar e decidir. II – Fundamentação 6. Por força do supra mencionado despacho da Relatora, o presente recurso encontra-se, nesta fase, cir- cunscrito à apreciação da constitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal, que prevê um tipo de ilícito criminal configurado como crime de perigo abstracto: «Artigo 292.º Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substância psicotrópicas 1 – Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. (…)» Ora, de acordo com o entendimento propugnado pelo recorrente, a configuração típica deste crime – sem que o perigo dele constitua elemento típico, mas apenas motivo de incriminação – implica uma neces sária violação do princípio da culpa (artigos 1.º e 2.º da CRP), do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). Vejamos se assim é. 7. O Direito Penal admite a consagração legal de tipos de crime assentes numa ideia de perigo para bens jurídicos constitucionalmente tutelados (cfr. José Faria e Costa, O Perigo em Direito Penal , Coimbra, 1992, em especial, fls. 328 a 340; Rui Pereira, O Dolo de Perigo , Lisboa, 1995, pp. 22 e 23). Assim, aceita-se que o legislador possa incriminar determinadas condutas, ainda que estas não tenham efectivamente produzido um
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