TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
265 acórdão n.º 95/11 Sobre a natureza e especificidades dos crimes desta natureza, Paula Ribeiro de Faria, em anotação ao artigo 292.º do Código Penal, diz o seguinte: “Isto significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador, as mais das vezes fundada nessa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que na maioria dos casos em que essa conduta tem lugar, demonstrou ser perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos penalmente tutelados” ( Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p. 1093). 1.3. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve oportunidade de se debruçar sobre se, dada a sua específica natureza, os crimes de perigo abstracto eram compatíveis com a Constituição, maxime, se violavam o princípio da culpa que extrairia dos artigos 1.º e 25.º, n.º 1, da Constituição, do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio de presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição). Fê-lo pela primeira vez, e de forma exaustiva, no Acórdão n.º 426/91 em que se apreciou a constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, onde se previa e punia o crime de tráfico de estupefacientes. Tal como nestes autos também naquele processo o recorrente entendia que o crime era de perigo concreto e que a sua qualificação como de perigo abstracto era inconstitucional. O tribunal não julgou a norma inconstitucional, face aos princípios constitucionais já anteriormente referi- dos. Este entendimento foi reiterado nos Acórdãos n. os 441/94 e 604/97 a que poderíamos acrescentar o Acórdão n.º 246/96 que não julgou inconstitucional a norma do artigo 22.º, n. os 1 e 2, do Regime Jurídico das Infracções Aduaneiras, onde se previa e punia o crime de contrabando de circulação. Da jurisprudência do Tribunal Constitucional resulta, portanto, com clareza, que as especificidades inerentes aos crimes de perigo abstracto não são contrárias aos princípios constitucionais relevantes nesta matéria. 1.4. Permitindo a Constituição a existência de crimes de perigo abstracto é, no entanto, pela análise de uma determinada norma em concreto que se poderá averiguar se ocorre ou não violação dos princípios constitucionais. É isso que faremos seguidamente quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.º do Código Penal). Este preceito resulta das profundas alterações introduzidas ao Código Penal pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março. No entanto, já antes dessas alterações vigorava no nosso ordenamento jurídico o artigo 2.º do Decreto- -Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, onde se tipificava um crime de condução sob o efeito de álcool, com redacção idêntica à do actual artigo 292.º do Código Penal e que teria estado na origem deste mesmo preceito. As razões porque se achou necessário legislar desta forma, neste domínio, constam do preâmbulo daquele diploma, onde pode ler-se: “A Lei n.º 3/82, de 29 de Março, foi o primeiro diploma que versou sobre a condução sob a influência de álcool. O lapso de tempo já decorrido e os ensinamentos decorrentes da aplicação daquela lei, aliados ao aumento da sinistralidade rodoviária, em que o álcool tem tido um papel relevante, determinam a adopção de novas sanções que possam por si só, actuar como medidas dissuasoras daquele comportamento” Foi, pois, a noção de grave perigosidade da conduta em causa que levou o legislador a editar uma norma como a do artigo 292.º E bem se compreende que assim seja, porque se o bem jurídico que está directamente em causa é a segurança da circulação rodoviária, já indirectamente o que se visa proteger são “outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida ou a integridade física” (Paula Ribeiro de Faria, ob. cit. pág. 1093). Ora, está cientificamente comprovado e é pacificamente aceite que o álcool no sangue diminui as capacidades do condutor, sendo essa capacidade para a condução menor quanto maior for a taxa de álcool (TAS). Daí que no artigo 292.º se exija um determinado TAS (1,2g/l) para preenchimento do tipo legal, pois se esse TAS for inferior, mas superior a 0,5g/l, tal constitui apenas uma contra-ordenação (artigo 81.º do Código de Estrada). Portanto, só a partir de um determinado grau de alcoolemia e porque o perigo de violação dos bens jurídicos em causa é maior, é que se justifica que a conduta do condutor constitua crime.
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