TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

264 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “A ausência de carácter formal do crime de condução sob o efeito de bebidas alcoólicas foi realçado por este tribunal em várias ocasiões. Assim, desde a STC 145/1985, de 28 de Outubro, em que declaramos relativa- mente ao antigo artigo 340.º bis a) 1 CP anterior, idêntico ao actual artigo 379.° CP, que o tipo de ilícito ‘não consiste na presença de um determinado grau de impregnação alcóolica, mas sim na condução de um veículo de motor sob a influência de bebidas alcoólicas’ (FJ 4; no mesmo sentido SSTC 148/1985, de 30 de Outubro, FJ 4; 145/1987, de 23 de Setembro, FJ 2; 22/1988, de 18 de Fevereiro, FJ 3.a; 5/1989, de 19 de Janeiro, FJ 2; 222/1991, de 25 de Novembro, FJ 2); de modo que para a apreciação do crime não se torna imprescindível nem suficiente a prova da impregnação alcoólica (SSTC 24/1992, de 14 de Fevereiro, FJ 4, 252/1994, de 19 de Setembro, FJ 5). Por isso na STC 111/1999, de 14 de Junho, FJ 3, afirmávamos que ‘trata-se de uma figura delitual similar, mas não idêntica à correlativa infracção administrativa, caracterizando-se aquela pela exigência de um perigo real para a correlativa infracção administrativa, caracterizando-se aquela pela exigência de um perigo real para a segurança do tráfego’. De outro lado, como sustentávamos na STC 161/1997, de 2 de Outubro, FJ 3, ‘a condução sob a influência de drogas ou de álcool não somente constitui um comportamento delitual autónomo, como também uma forma de comportamento imprudente que pode lesar a vida e a inte- gridade fisica das pessoas’, de modo que se dirige tendencialmente também à protecção destes bens jurídicos”. 25.° É manifestamente inconstitucional a interpretação segundo a qual o Auto de notícia e respectivo teste de alcoolemia são prova suficiente, para efeitos do preenchimento do tipo legal do artigo 292.º do CP (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas), já que o único valor que se lhe pode atribuir é unicamente de valor de denúncia, não sendo dessa forma, essa prova pré- -constituída válida e suficiente para ser admitida em audiência de julgamento como prova suficiente para postergar e eliminar a inadiável presunção de inocência de que goza o arguido, à luz do disposto no artigo 32.°, n.º 2, da CRP, além de que se diminuem, drasticamente, as suas garantias de defesa, visto não se respeitar o princípio da imediação e contraditório, vigente em matéria de prova, e democraticamente exigido, em sede de julgamento, sob pena de se dar cobertura a automatismos típicos de regimes não democráticos, mas, sim, totalitários e opressores dos direitos e liberdades fundamentais. 26.° O crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou subs­ tâncias psicotrópicas , previsto no artigo 292.º do CP, somente se deve considerar preenchido quando, num caso concreto, foi produzida, para além de toda a dúvida razoável, prova suficiente de que o agente, ao circular com taxa de álcool superior à legalmente fixada, produziu um efectivo e concreto perigo para os bens jurídicos pessoais (vida humana, integridade física ou património alheio de outrem), por tal ser exigido pelo princípio da proporcio- nalidade, da necessidade e carência de tutela penal (artigo 18.°, n.º 2, da CRP), pois, de outro modo, tal entendi- mento afigura-se materialmente inconstitucional por contender com o princípio da eminente dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), da culpa e com os fundamentos ético-constitucionais que presidem à legitimação da tutela penal enquanto ultima ratio: maxime , face às ideias de fragmentariedade e subsidiariedade de protecção de bens jurídico-penais com referência axiológico-constitucional (artigo 18.°, n. os 1 e 2, da CRP 1976).» (fls. 206 a 212). 5. Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou as seguintes contra-alegações: «1. Apreciação do mérito do recurso. 1.1. Após o despacho de fls. 190 a 193, o objecto recurso é constituído, exclusivamente, pela questão de incons- titucionalidade da norma do artigo 292.º do Código Penal na interpretação identificada pelo recorrente, ou seja, “como consagrando um crime de perigo abstracto” e não “como um crime de perigo abstracto-concreto”, bastando para o seu preenchimento, a simples verificação do estado alcoolemia, abdicando-se da verificação de qualquer resultado lesivo efectivo”.Tal interpretação normativa seria violadora do princípio da culpa e da proporcionalidade. 1.2. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal é efectivamente considerado um crime de perigo abstracto, não pressupondo nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos que se pretendem proteger com a incriminação.

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