TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

261 acórdão n.º 95/11 a Relatora proferiu o seguinte despacho, nos termos dos quais proferiu decisão sumária parcial e notificou o recorrente para a apresentação de alegações restritas à questão da constitucionalidade da norma extraída do artigo 292.º do Código Penal (CP), enquanto crime de perigo abstracto. 4. Na sequência deste despacho, o recorrente viria a produzir as seguintes alegações: «1.º – O artigo 292.º (Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas) CP 2007, entendido enquanto “crime de perigo abstracto” e não como “crime de perigo abstracto-concreto”, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da culpa (artigos 1.º, 2.°, 18.°, n.º 2, 25.°, 26.° e 27.° da CRP 1976 e artigo 40.° do CP), do princípio da presunção de inocência (artigo 32.°, n.º 2, da CRP), do princípio da ofensividade, do princípio da necessidade ou carência de criminalização “avançada” incompatível com a ideia de Estado de direito democrático. 2.° Ao ser configurado como um crime de perigo abstracto, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, do artigo 292.º do CP 2007, surge-nos como um crime em que o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. O comportamento seria tipificado no tipo em nome da sua perigosidade típica para um bem jurídico (segu- rança rodoviária), mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há como que uma presunção in[i] lidível de perigo e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efec- tivo para o bem jurídico. O perigo é presumido juris et de jure pela lei. Ora, isto bastaria para confrontar e colidir com o princípio da presunção de inocência, princípio da culpa e, acima de tudo, princípio da proporcionalidade ou necessidade, no sentido de que a tutela penal surge como ultima ratio e somente deve entrar em acção quando disso careça a protecção dos bens jurídicos essenciais à sobrevivência da vida em sociedade. 3.º Os crimes de perigo abstracto, como é o do artigo 292.º do CP, ao não permitir a prova de que, em concreto – como foi o caso! – o perigo não se verificou ou o bem jurídico “segurança rodoviária” não foi posto em causa, encurta de forma insuportável a possibilidade de defesa do arguido e contende em alta escala com o princípio da culpa, subjacente à ideia de Estado de direito democrático e ao princípio da proporcionalidade em matéria de medidas restritivas da liberdade pessoal (artigos 1.º, 2.°, 25.°, 32.°, n.º 2, da CRP). 4.º O artigo 292.° do CP 2007 deve ser visto, hoje, como um crime de perigo abstracto-concreto, de tal modo que provando-se que não existiu, de forma absoluta, perigo para o bem jurídico, ou que o agente tomou todas as medidas necessárias para evitar que o bem jurídico fosse colocado em perigo, não deveria ter lugar a punição. E o que ocorre nos presentes autos onde não se fez prova de que o agente fosse, ao conduzir, a colocar, em concreto, de forma absoluta, em causa o bem jurídico “segurança rodoviária”. 5.º Com vista a evitar a inconstitucionalidade do artigo 292.° do CP 2007 deve considerar-se que se trata de crime de perigo abstracto-concreto, de tal modo que o perigo abstracto não é só critério interpretativo e de aplica- ção, mas deve também ser momento referencial da culpa e, por isso, admite a “possibilidade de a perigosidade ser objecto de juízo negativo” (Taipa de Carvalho) ou não ser verificar uma conduta concretamente perigosa (Bockel- mann). Deve entender-se que não sendo o perigo apto a colocar em causa o bem jurídico subjacente ao artigo 292.° do CP 2007, o agente não deveria ser punido. 6.º Os crimes de perigo abstracto são uma tutela demasiado avançada do bem jurídico que coloca em crise o princípio da legalidade e o princípio da culpa. A tudo isto acresce o facto de que não se está perante um bem jurídico de grande importância, nem o mesmo se pode identificar com um grau de concretude compatível com o princípio da legalidade e a conduta não se encontra descrita de forma precisa e minuciosa, já que se alude à conduta de forma genérica com a indexação de uma culpa isto é, presumida e agarrada ao volante do que conduz com um grau de alcoolemia superior a 1,2 g/l, sem que tal quantidade possa significar, em termos científicos, uma incapacidade automática para a condução, já que a absorção pelo organismo do álcool varia com a massa corporal, idade, se é com ou fora das refeições entre outros factores». 7.º Num verdadeiro Estado de direito democrático, fundado na dignidade da pessoa humana e na pro- tecção mais elevada dos direitos fundamentais [artigos 1.º, 2.°, 7.°, n.º 1, 8.°, 9.º, alínea b) , 13.°, 16.°, 17.°, 18.°,

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