TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como o Tribunal vem afirmando, a Constituição não restringe o âmbito da competência legislativa em geral, nem confere ao Governo uma reserva de competência originária regulamentar em certas matérias. O poder regulamentar conferido ao Governo pela alínea c) do artigo 199.º para fazer “os regulamentos neces sários à boa execução da leis” não corresponde a qualquer reserva de regulamento, no sentido de a lei não poder ultrapassar um determinado nível de pormenorização ou particularização de modo a deixarsempre ao Governo, enquanto titular do poder regulamentar, um nível de complementação normativa relativamente a cada uma das leis. Como se afirmou no Acórdão n.º 461/87, o legislador dispõe “de uma omnímoda facul- dade – constitucionalmente reconhecida – de planificar e racionalizar a actividade administrativa, pré-con formando-a no seu desenvolvimento, e definindo o espaço que ficara à liberdade de critério e à autonomia dos respectivos órgãos ou agentes, ou antes pré-ocupando-o (preferência de lei)”. De outro modo, como se realçou no Acórdão n.º 1/97, a reserva de competência regulamentar do Governo redundaria neces- sariamente num limite da competência legislativa da Assembleia da República quanto a certas matérias, limite que a Constituição não permite deduzir perante um preceito como o da alínea c) do artigo 161.º que expressamente atribui à Assembleia da República competência para fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas ao Governo. E estas, as competências legislativas reservadas ao Governo, não são outras senão as respeitantes à sua própria organização e funcionamento (n.º 2 do artigo 198.º da Constituição). Mas mesmo para quem levante objecções a este entendimento (vide, Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo II, Coimbra, 2006, p. 719), com base na ideia de que a dimensão positiva do princípio da separação de poderes dificilmente tolera que o Parlamento seja um órgão constitu- cionalmente adequado para normação de pormenor ou essencialmente técnica, ou que o respectivo procedi- mento legislativo não se adequa ao tratamento de certas matérias como, v. g. , as de planeamento urbanístico, terá de convir que a matéria agora em causa não oferece esse tipo de resistência à intervenção do legislador parlamentar, seja pelo procedimento legislativo, seja pela menor capacidade em meios de apoio à decisão, ou pela menor imediação ou capacidade para auscultar os interesses envolvidos. Pelo contrário, quanto a esses factores, a matéria em causa é perfeitamente susceptível de regulação por acto legislativo parlamentar. Do que se trata é de estabelecer pormenores de regulação de um procedimento administrativo especial, em que as opções normativas, a mais do conhecimento das especificidades da realidade sobre que versa, suscitam essencialmente questões de técnica jurídica. Aliás, o regime jurídico do procedimento comum de avaliação do desempenho na Administração Pública é actualmente objecto de lei parlamentar (cfr. artigos 61.º a 75.º da Lei n.º 66‑B/2007, de 28 de Dezembro). 11. Não assentam, porém, na pressuposição de uma reserva de regulamento as dúvidas de constitu- cionalidade do Requerente. O que censura à norma do artigo 3.º do Decreto é ter o legislador parlamentar procedido à revogação do regulamento sem que “ao efectuá-la, revogue, derrogue ou abrogue, directa ou implicitamente, a competência de regulamentação que, nessas situações se encontrava deferida ao Governo”. Evoca‑se, assim, um argumento presente no Acórdão n.º 24/98, embora aí a hipótese figurada não se veri- ficasse. Com efeito, num dos projectos que estão na origem do Decreto n.º 84/XI, da Assembleia da República, o Projecto de Lei n.º 575/XI (PSD), previa-se não só a revogação dos artigos 40.º a 49.º do Estatuto na sua versão actual (artigo 1.º, n.º 1, desse Projecto), como a repristinação, durante o período transitório que decorreria até à entrada do novo modelo de avaliação, dos artigos 39.º a 53.º do Estatuto, na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (artigo 3.º). A revogação do Decreto Regulamentar n.º 2/2010 (artigo 1.º, n.º 2, do Projecto) era, nesse Projecto, corolário da supressão da norma habilitante e da alteração da lei regulamentada. No “texto de substituição” que veio a ser aprovado a opção legislativa foi diversa, mantendo-se todo o teor da lei objecto de regulamentação (o Estatuto) e a norma habilitante, apenas se suprimindo o diploma regulamentar.
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