TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
251 acórdão n.º 90/11 Todavia, o juízo a formular quanto a esta questão não pode desprender-se da natureza dos bens cuja necessidade de tutela pode constituir, nesta fase, uma razão constitucionalmente credenciada para uma solução com potencial alcance restritivo da liberdade de comunicação social. Ora, como acima foi antes sublinhado, tendo já decorrido a audiência de julgamento e sido proferida a sentença, a iniciativa de divulgação do som naquela gravado já não pode ferir o interesse público de uma boa administração da justiça, no sentido de justiça que se está fazendo, pela simples razão de que esta já foi realizada. Neste momento (pelo menos, após a formação de caso julgado), a divulgação da palavra gravada não mais poderá influenciar o decurso e o resultado do julgamento. Permanece a necessidade de tutela do direito à palavra que é protegido com a possibilidade de oposição dos autores das declarações à divulgação do seu registo sonoro, mesmo após a prolação da sentença, e com o reforço que a necessidade de autorização do juiz lhe acrescenta. A tutela constitucional traduz-se, aqui, na preservação da autodeterminação quanto ao destino das palavras que são suas, mas que foram proferidas num contexto funcionalizado à realização da justiça. De modo que perguntar pela justificação da exigência de autorização judicial redunda, desde logo, em ajuizar se esta é o meio adequado e necessário de salvaguarda, após o termo do processo em que a audiência de julgamento decorreu, do direito à palavra proferida naquela fase processual. Relembre-se, por outro lado, que a palavra foi, então, registada para prossecução de fins legítimos de realização de justiça, não sendo facultada à pessoa que as profere a liberdade de se opor ao seu registo. As suas palavras, assim gravadas, são também palavras proferidas no processo, pelo qual é responsável o juiz competente, a quem cumpre ser garante dos termos da utilização da palavra proferida à sua guarda. A tutela da palavra e da manutenção da confiança na sua utilização apenas no contexto dos fins proces- suais em que foi proferida legitimam que o juiz possa ser aquele que primeiro sofre a pressão da sua divulga- ção para fins alheios ao processo, sobre si recaindo o dever da sua protecção antecipada. Pelo que fica dito há que concluir que, na fase a que se reporta a questão de constitucionalidade em juízo, a exigência de autorização, para difusão mediática do som gravado, tem sentido, quer para protecção do direito à palavra, quer para salvaguarda dos fins legítimos de realização da justiça, prosseguidos com a gravação das palavras. Nessa fase, satisfeitas as razões processuais que determinaram a gravação, os interesses atendíveis concentram-se, por um lado, e de modo particular, na esfera privada do autor das declarações, detendo ele o domínio das palavras proferidas e da sua utilização, mas, por outro, também no interesse da boa administração da justiça, que garante àquele que, por obrigação legal, viu serem gravadas as suas palavras no âmbito do processo, a possibilidade de confiar que o titular do mesmo tutelará a sua divulgação para fins diferentes dos previstos na lei. Também por isso se justifica impor uma intervenção judicial autorizante e a previsão do crime de desobediência. Não é, então, excessivo que possa contar com uma protecção reforçada aquele a quem a lei determinou que falasse e que visse registada a sua palavra, sem que a tal se pudesse eximir, e que, por lhe ser legalmente determinado, confiou a sua palavra à guarda do tribunal durante a audiência de julgamento. Não se revela desproporcionada a possibilidade de aquele à guarda de quem foram confiadas as palavras proferidas em julgamento poder realizar o devido acompanhamento do material recolhido por imposição legal, verificando o destino que lhe é dado. A exigência de autorização judicial para a transmissão do som gravado de declarações em audiência de julgamento, na interpretação de que ela não está sujeita a qualquer preclusão temporal, persistindo para além do término do processo em que essa audiência se integrou, não constitui uma solução desconforme e exces- siva, sendo justificada, quer pela tutela do direito à palavra, quer por razões de boa administração de justiça, que legitimam a intervenção condicionante da liberdade de comunicação social. A obrigatoriedade de autorização judicial, na vertente no caso analisada, não viola o princípio da pro- porcionalidade, por se limitar “ao necessário para salvaguardar” o direito à palavra e à boa administração da justiça.
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