TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
250 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Então, havendo razões legítimas que motivam esta restrição à livre autodeterminação quanto à gravação da palavra, justifica-se um especial amparo a quem a profere, i. e. , uma especial protecção relativamente à utilização da palavra gravada, para além dos fins legalmente previstos. Sendo a palavra registada por razões de funcionamento da administração da justiça, e não podendo quem depõe eximir-se a tal gravação, tem-se por justificada a especial tutela traduzida na restrição imposta à comunicação social quanto à sua divulgação. Ou seja, uma vez que a gravação é legalmente determinada por razões processuais, é merecedor de especial protecção aquele que sujeita a sua palavra a registo, sem que a tal se possa recusar. Uma vez que o registo sonoro é predeterminado a uma finalidade específica, só as audições que se justi- fiquem pela consecução desse fim, mantendo-se dentro da função programada, dispensam a autorização do dono da voz. Proferidas, no passado, em certas circunstâncias concretas de lugar e tempo, numa “atmosfera” muito marcada pela rígida e formalizada estrutura de um julgamento, as palavras não podem ser transpostas para contextos com uma muito diversa lógica e intencionalidade comunicacionais, sem que, em princípio, o titular seja chamado a consentir. Mesmo nestes casos, em que a gravação é levada a cabo pelas instâncias judiciais, inserindo-se na activi- dade, que a estas compete, de julgamento, “a lei garante – como a própria recorrente reconhece – ao autor da palavra o controlo das pessoas a quem ela há-de poder chegar” (Costa Andrade, ob. cit ., p. 126). Garante, pelo menos, que as palavras não podem ser reaproveitadas em utilizações que extravasam dos fins processuais da gravação, ao arrepio da vontade da pessoa que as proferiu. Nem se diga, em contrário, que não está em causa a reserva da intimidade privada, dada a congénita publicidade a que os depoimentos em julgamento estão, em regra, sujeitos. É a palavra, aqui proferida na audiência que é protegida, e não os eventuais interesses de confidencialidade ou de privacidade do seu con- teúdo. 13. Em face do que fica dito, torna-se claro que a faculdade de oposição do autor das declarações gra- vadas em audiência de julgamento à sua posterior transmissão por um órgão da comunicação social [2.ª parte da alínea b) do n.º 2 do artigo 88.º do CPP], não só não merece reparo constitucional, como é imposta pela tutela constitucional do direito à palavra (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição). As razões que justificam a gravação, sobrepondo-se ao direito à “volatilidade da palavra”, não legitimam a sua livre difusão fora do círculo da actividade judicial a que ela está estritamente funcionalizada. Nem, por outro lado, a solução comporta o sacrifício total da liberdade de comunicação do que se passou na audiência de julgamento. É livre o relato circunstanciado desse facto, incluindo do conteúdo das declarações gravadas, apenas ficando vedado a utilização de som ou de imagem colhidas no momento em que elas eram prestadas – bens pessoais dos autores das declarações, de que eles não perderam a disponibilidade, para todos os fins que não sejam os que legitimaram a sua captação. Tem, assim, pleno anteparo constitucional a solução legislativa de garantir ao titular do direito à pala- vra que o som das palavras ditas em audiência de julgamento não seja divulgado, sem sua autorização, pela comunicação social. Acresce, que a funcionalização, às actividades processuais, da gravação das palavras proferidas na audiên- cia, concorre para a realização do interesse público da boa administração da justiça. Pelo que, a justificação da especial tutela do direito à palavra nestes casos – que é o facto de ser obrigatória a sua submissão a grava- ção no âmbito do processo –, contribuindo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, legitima, a nosso ver, a intervenção do juiz. 14. O núcleo problemático da questão de constitucionalidade que nos ocupa convoca a aferição, pelos parâmetros decorrentes do princípio da proporcionalidade, da constitucionalidade da exigência de autoriza- ção judicial. Foi essa (e não por ter sido contrariada uma recusa de autorização) a dimensão da norma que esteve presente na condenação da recorrente pelo crime de desobediência, tido por cometido pelo facto de o som ter sido divulgado sem prévio pedido de autorização ao juiz competente.
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