TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
247 acórdão n.º 90/11 do profissional, a sua participação causal na lesão do bem afectado, a gravidade desta e o relevo dos interesses atingidos. No caso dos autos, a gravação foi licitamente efectuada, e o acesso a ela, em si mesmo (para fins, por exemplo, de reprodução, por escrito, do seu conteúdo), não mereceria reparos. Por outro lado, como vimos, não resulta dos autos prova no sentido de ter existido, por parte da jornalista, ilegalidade na obtenção da gravação. E, como se extrai do que atrás se escreveu, apenas no caso de ser censurável a conduta daquela, poderíamos ter de concluir que tal conduziria liminarmente à exclusão da utilização do som e imagens assim obtidos da protecção constitucional propiciada pela liberdade de imprensa. Assim não tendo sido provado, a questão nasce porque à jornalista foi propiciada a possibilidade de trans- mitir as próprias palavras pronunciadas na audiência de julgamento, possibilidade que ela aproveitou ao exercer a sua liberdade de comunicação televisiva. É na sua divulgação que se deve concentrar a valoração, em termos jurídico-constitucionais, da actuação jornalística. Está em causa ajuizar se esta concreta forma de exercício da liberdade de expressão e criação [alínea a) do n.º 2 do artigo 38.º], com utilização de palavras proferidas, no acto de julgamento, por intervenientes processuais, está constitucionalmente caucionada pela liberdade de imprensa, mesmo tendo em conta a afectação, por essa forma, de bens também protegidos pela Constituição. Essa já é, todavia, uma questão de ponderação entre a liberdade de imprensa e outros direitos com ela em colisão ou outros valores com ela conflituantes. 8. Sendo assim, o passo seguinte será o de apurar o impacto restritivo ou condicionante que a solução consagrada na norma questionada tem sobre a liberdade de imprensa. Dessa caracterização precisa vai depen der a determinação da zona e do grau de afectação do bem constitucionalmente protegido – um dado de sumo relevo na avaliação da conformidade constitucional da solução. No âmbito dessa tarefa, importa sublinhar, antes de mais, que não estamos perante um impedimento ao exercício da liberdade de imprensa, no respeitante ao relato do que se passou na audiência de julgamento do processo em causa. Essa narração é inteiramente livre, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CPP. O disposto no n.º 2, alínea b) , deste mesmo artigo contende apenas com certa forma de exercício da liberdade de imprensa, i. e. , com a transmissão da gravação do som de uma audiência. E não se trata da proi- bição tout court de comunicar o teor desse acto processual por esse meio, mas antes o de sujeitar a tomada – que não está aqui em causa – e reprodução de imagens e som relativas ao decurso da audiência a uma reserva de autorização judicial. A licitude dessa forma de exercício da liberdade de imprensa fica dependente de ter sido previamente pedida e concedida autorização do juiz que presidir à fase de julgamento. Não podemos, pois, concordar com a arguição de que o disposto na norma impugnada representa “o sacrifício total” dessa liberdade constitucionalmente garantida. Estamos apenas perante a consagração de uma condição limitativa, que pode, é certo, redundar em sacrifício para o bem protegido (em caso de recusa de autorização), o qual, todavia, nunca será total, pois deixa incólumes as restantes formas de exercício da liberdade de imprensa. Saber se esse condicionamento respeita os limites às restrições aos direitos, liberdades e garantias, designadamente os resultantes do princípio da proporcionalidade, é o objecto da questão de constituciona- lidade sub judicio . Para a formulação da resposta a esta questão, há que identificar as razões que podem, em geral, ser avan- çadas para justificar resguardos e entraves limitativos à informação, por órgãos da comunicação social, da prática de actos judiciários submetidos a um regime de publicidade. 9. Algumas dessas razões vêm impressivamente descritas no Acórdão n.º 605/07, desta 2.ª Secção, ainda que a propósito da incriminação estabelecida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º do CPP: «Esta incriminação não visa apenas proteger o exercício da administração da justiça, de forma a evitar especula- ções, conjecturas extraprocessuais e movimentos de pressão da opinião pública sobre os casos em apreciação pelos
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