TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

242 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 22. A ponderação que se torna necessário fazer dos interesses subjacentes aos direitos fundamentais em colisão deve tomar necessariamente em conta o significado institucional de uns e de outros numa relação flexível, em que o ponto de partida da interpretação deve ser dado pela posição fundamental que a liberdade de expressão ocupa no sistema do Estado democrático de direito. 23. Não é pacífico o diagnóstico do regime normativo e da estrutura do crime de desobediência nas gravações ilícitas da tomada de som das audiências de julgamento e nomeadamente não pode considerar-se isento de dúvidas o exacto valor axiológico do bem jurídico protegido do direito à palavra, contido na alínea b) do n.° 2 do artigo 88.º do CPP. 24. De um modo geral, a lei garante ao autor da palavra o controlo das pessoas a quem ela há-de puder chegar. Daí que formulações como “ a inocência das expressões orais e a confiança na volatilidade da palavra não pronun- ciada em público”, “a inocência e a protecção face à perpetuação da palavra dita com a intenção, de ser fugaz”, “o poder soberano de domínio acústico sobre a própria palavra falada,” e outras do mesmo teor, estejam muito presentes na doutrina e jurisprudência. 25. Se em regra este é o sentido axiológico e normativo conferido ao direito de étimo pessoal que é o bem jurídico da palavra, deve-se levar em linha de conta que nem sempre será assim e há que atender às especificidades contidas nos casos singulares que se apresentem. 26. É o que acontece na hipótese da palavra inscrita na “tomada de som relativa à prática de qualquer acto pro- cessual, inclusive a audiência”, da alínea b), n.° 2 do artigo 88.º do CPP, já que nesta hipótese, em nosso juízo, e de acordo com algumas orientações jurisprudenciais e doutrinais, faz todo o sentido atribuir à palavra uma dignidade, hierarquia e regime variáveis em função das várias situações que podem ocorrer. 27. Nessas formulações, brevitatis causa, se a palavra corresponde à área nuclear inviolável, goza de uma tutela geral absoluta, sendo intolerável o seu sacrifício e estando subtraída à ponderação de quaisquer outros valores ou interesses. Será outro o tratamento reservado à palavra pertinente à esfera da vida privada, já aberta à ponderação com outros bens ou valores, e nessa medida, susceptível de ser sacrificada em nome de interesses considerados superiores, e nos termos consentidos pelo princípio de proporcionalidade. Nestes casos, é o conteúdo objectivo da comunicação que aparece em primeiro plano, de tal forma que a personalidade do interlocutor desaparece quase por completo, perdendo, por isso, a palavra o seu carácter privado. 28. Assim pensamos dever acontecer com a palavra inscrita no registo de som magnético, realizado em audiên- cia por iniciativa do tribunal, a partir da prolação da sentença. 29. No caso do normativo que aqui se discute, tem todo o sentido distinguir: por um lado, as gravações feitas por quem não estava autorizado a fazê-las; por outro, as feitas por quem as podia fazer e tinha essa competência – o tribunal – em registo magnético próprio. As primeiras são ilícitas e não consentidas, as segundas são, obviamente, lícitas e consentidas. 30. Para efeitos do normativo que se discute no presente recurso, esta distinção é um meio operativo adequado a obter a superação do conflito emergente da interpretação normativa do acórdão em crise, constituindo um cor- recto exercício heurístico e hermenêutico da situação. 31. A tutela do direito à palavra de uma gravação ilícita, não pode nem deve ter o mesmo tratamento do direito à palavra de uma gravação lícita. Nesta última hipótese, não estão presentes, pelo menos de forma tão impressiva, as preocupações do atropelo da “intencionalidade e a confiança da palavra na sua transitoriedade e historicidade,” que poderiam conduzir à “falsificação da imagem da personalidade”, bastando-se esta com um razoável período de tempo de privacidade, no caso, até ao termo da audiência. 32. O discurso argumentativo conclusivo precedente, chama à colação duas perspectivas teóricas consubstan- ciadas pelo que a doutrina conhece por “teoria dualista” e “teoria monista” sobre gravações. 33. A primeira, defende a proibição à utilização não consentida tanto de gravações ilicitamente produzidas como de gravações licitamente produzidas. 34. A segunda, perfilha o entendimento de só ser punível a audição não consentida das gravações ilicitamente pro- duzidas, tese que, embora defendida pela recorrente em sede de área de tutela típica, ou seja, a exacta determinação da

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