TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
241 acórdão n.º 90/11 10. A partir daí, cessa a razão de ser da sua tutela temporal, que se esgota no termo da própria audiência de julgamento, não se reconhecendo razões válidas para que a comunicação social e, no caso em apreço a televisão, não possa transmitir o som assim gravado em eventual reportagem ou investigação jornalística que entenda dever fazer, até porque os suportes magnéticos, com a gravação da audiência de julgamento, são peças processuais para o efeito da alínea a) do n.° 2 do artigo 88.° do CPP. 11. Ao colocar assim a questão ao tribunal recorrido, a recorrente tinha a consciência que não é isenta de dificuldades a tarefa de levantamento dos traços fundamentais do regime normativo e da estrutura dogmática da figura das gravações ilícitas e das dificuldades que iria encontrar, sendo certo que as dissonâncias e as distensões de interpretação surgiam logo à partida como inevitáveis, tendo em conta o irredutível coeficiente de equivocidade estrutural que resulta do facto da alínea b) do n.° 2 do artigo 88.° do CPP, não assinalar o momento até quando releva ou vigora a proibição para a hipótese nela prevista. 12. Sempre na perspectiva da recorrente, qualquer interpretação do normativo em causa que não colocasse um limite temporal à possibilidade de livre acesso ao som dos registos magnéticos realizados pelo tribunal e os declarasse eternamente inacessíveis, sem autorização do tribunal e consentimento dos intervenientes, violaria os artigos 38.°, n.º 1 e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo do supra entendimento dos suportes magnéticos como peça processual enquadrada no disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 88.° do CPP. 13. O Tribunal da Relação de Lisboa fez outra interpretação e rejeitou este entendimento da recorrente e afas tou qualquer inconstitucionalidade no conteúdo material da alínea b) do n.° 2 do artigo 88.º do CPP, face ao que prescrevem aqueles artigos. 14. Essencialmente argumentou com o direito à reserva e à transitoriedade da palavra falada que deve ser lido em simultâneo com a identidade pessoal, bem assim com o interesse público da serena administração da justiça, sem qualquer pressão da publicidade. 15. A liberdade de imprensa emerge, ela própria, como um direito fundamental e como uma instituição moral e política basilar e irrenunciável da sociedade democrática e do Estado de direito, ou seja, um elemento essencial e constitutivo de um estado assente na liberdade. Não é, aliás, outro o sentido a adscrever à liberdade de imprensa reconhecida e protegida pelos artigos 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, como manifestação paradigmática das liberdades de expressão e informação. 16. A liberdade de imprensa configura um dos mais proeminentes fundamentais reconhecidos e protegidos pela Constituição, afirmação que se conforta, desde logo, no artigo 18.°, que consagra a garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, logo também da liberdade de imprensa, o que à partida e em caso de conflito empresta a esta uma natural posição de preferência. 17. A liberdade de imprensa é, assim, fundamental para o sistema constitucional democrático, pois é ela que suporta a confiança de que as decisões do poder e dos próprios tribunais estão expostas ao escrutínio da crítica e a esperança de que no futuro será sempre possível ultrapassar as injustiças por procedimentos democráticos. 18. É por isso que o Estado está obrigado, no desenho da ordem jurídica e sempre que a área de vigência de uma norma contenda com a imprensa, a levar em linha de conta o postulado da sua liberdade, o que não pode deixar de se reflectir na alínea b) do n.° 2 do artigo 88.° do CPP. 19. O estatuto do direito fundamental da liberdade de imprensa impõe limites aos limites a impor à liberdade de imprensa, embora com o reconhecimento axiomático de que esta não configura um direito ou valor absoluto a impor-se ou sobrepor-se a todos os direitos ou valores. Não está assim em causa um irrestrito direito constitucional de informação que advoga o silenciamento praticamente total do direito à palavra. 20. A alínea b) do n.° 2 do artigo 88.° do CPP no que toca à sua eficácia limitadora do direito fundamental de liberdade de imprensa de crónica judiciária tem que ser interpretado de modo a que fique sempre salvaguardado o conteúdo axiológico próprio deste direito e a interpretação não redunde numa como que proibição da profissão de jornalista. 21. Ele deve ser interpretado a partir do conhecimento do significado valorativo do direito fundamental da liberdade de imprensa e, por via disso, ser esse normativo limitado na sua eficácia limitadora do direito fundamen- tal da liberdade de imprensa, presente naquela norma.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=