TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

235 acórdão n.º 89/11 a constitucionalidade fica salvaguardada se se concluir que a interpretação se situa dentro do espaço de liber- dade do legislador / intérprete, não afrontando nenhum ditame constitucional. Nesta medida, erram o alvo todas as considerações da requerente tendentes a demonstrar que «é mani- festo que a Constituição não obriga o legislador à concessão de legitimidade activa a um accionista ou ex- -accionista de uma Sociedade para requerer procedimento cautelar caso esta não o faça», como diz a fls. 1774 dos autos. Nada adianta sustentar que «não se vislumbra que seja inconstitucional vedar através do artigo 77.º, n.º 1, do CSC, a legitimidade ao ex-accionista»; apenas releva a argumentação dirigida a fundamentar o contrário, ou seja, que a Constituição obriga a não conceder tal legitimidade a ex-accionistas. Só assim se poderá concluir pela inconstitucionalidade da interpretação aplicada pelo tribunal recorrido. É, em particular, improdutivo de sentido fundamentador, na direcção exigida, tudo o que a recorrente alega quanto à não abrangência, pela garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, da tutela do interesse do ex-accionista, por se tratar, na sua óptica, de um interesse indirecto e reflexo. Independente- mente de se fazer notar que essa garantia, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, cobre todos os “interes­ ses legalmente protegidos”, a invocação desse parâmetro só poderá relevar para fundamentar que resultou violado o acesso à justiça da sociedade beneficiária. A recorrente também empreende uma iniciativa de argumentação nesse sentido (fls. 1779). Mas afigura- se claro que esse direito permanece intocado, até porque, não tendo essa sociedade intervenção na causa, o decidido não forma caso julgado em relação a ela. E as alegadas razões de economia processual que imporiam a presença desse sujeito não constituem, só por si, um imperativo constitucional. Ainda dentro deste quadrante valorativo, quanto à alegada violação de um direito a um processo equi- tativo por parte do requerido (a não ser demandado em processos eventualmente inúteis ou desnecessários), não se descortina qual o fundamento constitucional desse invocado direito. A decisão a este respeito cabe ao julgador, que goza, nesta matéria, de ampla liberdade apreciativa. E, de qualquer modo, o interesse do réu em impedir, de imediato, o prosseguimento de uma acção que não vise a tutela de interesses protegidos pelo disposto no artigo 77.º está suficientemente acautelado pelo que se estatui no seu n.º 5. Também não procede a alegação de que a interpretação aplicada viola o princípio da certeza e da confi- ança jurídica, por ser manifestamente imprevisível para o destinatário. Tal interpretação tem por si suficien- tes apoios na intencionalidade normativa que presidiu à previsão da acção social ut singuli , no artigo 77.º do CSC, para que ela possa ser tida como desprovida de qualquer razoabilidade ou qualificável como arbitrária. Acrescente-se que ficam por enunciar os interesses, constitucionalmente tutelados, situados na esfera da ora recorrente, que resultariam substancialmente afectados pela interpretação questionada, em termos de traduzirem uma frustração do “investimento na confiança” – requisito de todo indispensável para fundar uma violação deste parâmetro. Os interesses referidos, a este propósito (interesses do Estado, da propriedade pública, da garantia institucional do sector público empresarial e da iniciativa empresarial pública), não são titulados pela recorrente, o que torna dispensável apreciar se eles são verdadeiramente atingidos. Também é despiciendo avaliar da eventual existência, como é apontado, de outros meios processuais para os ex-accionistas se ressarcirem de eventuais danos por força da gestão da sociedade. Esse é um juízo situado no plano infraconstitucional, a emitir, nessa medida, exclusivamente pelas instâncias, e sem projecção imediata na questão de constitucionalidade – a única para a decisão da qual este Tribunal tem competência. Partindo do pressuposto de que os requerentes da providência cautelar têm um interesse legítimo em “maximizarem a indemnização a receber da Sociedade pública”, para empregarmos a expressão utilizada pela recorrente a fls. 1779 v., e que a acção em causa era meio adequado a prossegui-lo − o que, em si, não é sindicável por este Tribunal − o tribunal recorrido entendeu ser aplicável ao caso dos autos, por analogia, o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do CSC. Nenhuma injunção se colhe da Constituição que possa ser oposta a essa interpretação, pelo que é de rejeitar a imputação de inconstitucionalidade que motivou, nesta parte, o presente recurso.

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