TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL norma, numa interpretação correspondente ao teor literal do seu enunciado, quando estão preenchidos os elementos da sua previsão. “Menos comum” é o contrário, a não aplicação de uma norma por circunstâncias específicas do caso concreto – independentemente de tal estar ou não justificado. Sendo este o significado implicado na pretensão da recorrente, ao arguir a incompetência material, num momento processual não admitido em regra geral e abstracta, deveria, por elementar regra de prudência, aduzir razões que convencessem o tribunal a desviar-se dessa regra. Devendo prefigurar como possível uma interpretação conducente à decisão de extemporaneidade, era exigível à recorrente que invocasse então, nas alegações de recurso para o tribunal que a veio a tomar, as razões de constitucionalidade que, em seu enten­ dimento, obstariam a tal interpretação. Não o tendo feito, carece de legitimidade para requerer que este Tribunal se pronuncie sobre a questão, em via de recurso. Coisa diversa, sobre a qual o Tribunal Constitucional não pode, como é evidente, pronunciar-se, é saber se o tribunal recorrido fez a melhor interpretação do regime legal aplicável, bem como saber se a recorrente podia/devia ter arguido a incompetência do tribunal antes da interposição do recurso para a Relação, em sede de oposição à providência ou em requerimento autónomo. Em reforço do argumento, constante do requerimento de recurso, de que “a Recorrente não teve qual- quer hipótese de contraditório”, quanto à alegada “decisão-surpresa”, vem ela invocar, na sua resposta ao mencionado despacho, que não foi dado cumprimento, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao disposto no artigo 704.º do CPC. Todavia, independentemente da questão de saber se tal norma era aplicável ao caso dos autos, cumpre acentuar que a exigibilidade de cumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade não está dependente da possibilidade de exercício do contraditório. Ao trazer aos autos, por iniciativa própria, a questão da incompetência do tribunal em razão da matéria, a recorrente teve, nesse momento, uma oportunidade efectiva de invocar a inconstitucionalidade da interpretação conducente à extemporaneidade dessa arguição, resultante, pelo menos literalmente (não obstante a tramitação específica da providência do arresto), do disposto no artigo 102.º, n.º 2, do CPC. E, pelos motivos expostos, era-lhe exigível que o fizesse. É quanto basta para se dar como incumprido o referido ónus, pois a eventual efectiva- ção da audição prevista no artigo 704.º do CPC significaria apenas, para o que aqui releva, a concessão de uma outra oportunidade para o satisfazer. Por tudo, há que concluir que a recorrente podia e devia ter antecipado que o tribunal a quo , face à letra do n.º 2 do artigo 102.º do CPC, poderia vir a julgar extemporânea a arguição da excepção de incompetência absoluta, pelo que devia ter suscitado a questão de constitucionalidade, que agora quer ver apreciada, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, nas alegações do recurso aí apresentado. Não o tendo feito, incumpriu o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade, o que, só por si, obsta ao conhecimento do objecto do recurso, nesta parte (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Em face de tudo quanto fica dito, só se conhecerá da alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 77.º, n.º 1, do CSC, interpretada no sentido de que os accionistas que percam essa qualidade por acto de nacionalização têm legitimidade para intentarem a acção social de responsabilidade contra gerentes e adminis­ tradores, na parte em que o recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: B) Apreciação do mérito do recurso 7. O tribunal recorrido entendeu que a extensão aos ex-accionistas, desapropriados da titularidade das participações sociais por transmissão forçada para o Estado, da legitimidade conferida pelo artigo 77.º, n.º 1, do CSC, resultava de uma “imposição constitucional da tutela efectiva”. Cumpre salientar que, na apreciação da questão de constitucionalidade, não há que decidir se tal impo­ sição resulta ou não da Constituição, como factor determinante da interpretação da referida norma. Na verdade, para que o juízo de inconstitucionalidade seja afastado, basta que se conclua que a Constituição não proíbe tal interpretação, não sendo mister averiguar se ela é constitucionalmente forçosa. Por outras palavras,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=