TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
233 acórdão n.º 89/11 equitativo e justo e, por outro lado, que é útil o conhecimento desta questão de constitucionalidade, pois só no caso de o recurso de constitucionalidade ser julgado procedente, nesta parte, é que assistirá à recorrente a possibilidade de interpor recurso, como é sua intenção, para o Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, para a uniformização da jurisprudência quanto à questão da competência material. Em relação ao ónus de suscitação prévia, a recorrente reconhece que não o cumpriu, uma vez que colocou esta questão de constitucionalidade, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso para o Tri- bunal Constitucional. Alegou que o sentido da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa – na parte que julga extemporânea a arguição da incompetência material do tribunal – constituiu uma “decisão surpresa”, ou seja, fundamentou-se numa questão que não tinha sido suscitada nos autos e tomou por base uma interpretação “inédita” ou pelo menos com um sentido normativo que “não é comum”. Na resposta ao despacho que suscitou as questões prévias, a recorrente acrescentou, ainda, que não lhe foi dada oportunidade de suscitar a incons- titucionalidade da interpretação que veio a ser dada aos artigos 102.º, n.º 2, e 388.º, alínea b) , do Código de Processo Civil (CPC), perante o tribunal recorrido, uma vez que este, apesar de ter decidido não conhecer da questão da incompetência material, omitiu a notificação prevista no artigo 704.º, n.º 1, do CPC. Para saber se a recorrente pode considerar-se dispensada, no caso concreto, do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido importa ajuizar se a interpretação normativa, cuja inconstitucionalidade se quer ver apreciada, foi de tal forma imprevista ou inusitada, nomeadamente atendendo às circunstâncias do caso, que tornava inexigível à recorrente que a tivesse antecipado e con- sequentemente arguido a respectiva inconstitucionalidade nas alegações do recurso apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa. A resposta tem que ser negativa. Para sustentar a tese de que, nesta parte, o acórdão recorrido constitui uma “decisão-surpresa”, suscep- tível, nessa medida, de justificar uma excepção à regra-geral de exigência de suscitação prévia, a recorrente começa por afirmar, no requerimento de recurso, que essa qualificação tem em conta que «a arguição foi feita pela ora Recorrente na sequência da sua citação para o procedimento cautelar e imediatamente após a mesma em sede de recurso». A afirmação é argumentativamente inócua, pois o que releva, para este efeito, não é o momento em que a recorrente arguiu a excepção da incompetência material, só por si, mas se, ao fazê-lo, lhe era ou não exigível que prognosticasse, nesse momento (o da interposição de recurso para o tribunal recorrido), a aplicação da interpretação cuja conformidade constitucional veio depois a impugnar. E, para isso, o decisivo é atender à natureza, conteúdo e alcance dessa interpretação, bem como à sua conexão com a matéria em juízo. Deste ponto de vista, há que sublinhar que a interpretação normativa adoptada pelo tribunal a quo , a respeito da oportunidade para a arguição daquela excepção, nada tem de surpreendente, antes se limitando a seguir de perto a letra do artigo 102.º, n.º 2, do CPC, cuja redacção actual foi, há muito, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro. Trata-se de uma norma processual central, com assento no respectivo código, que consagra um regime de excepção (em face do estabelecido no n.º 1 do mesmo artigo), com um âmbito de previsão rigorosamente determinado, quer quanto à forma de incompetência absoluta aqui relevante – apenas a resultante das regras de competência em razão da matéria −, quer quanto à natureza dos tribunais envolvidos – apenas tribunais judiciais. Ora, à recorrente não podia passar despercebido que a situação dos autos se integrava, sem sombra de dúvida, nesta hipótese normativa, pelo que lhe era exigível que representasse a (forte) possibilidade de o tri- bunal vir a lançar mão desta norma para decidir a questão da oportunidade da suscitação da incompetência material em sede de recurso, independentemente de, no caso, poder ser necessário conjugar esse regime com a tramitação específica de uma providência cautelar sem contraditório prévio do requerido (como é, por força da lei, o arresto – cfr. artigo 408.º, n.º 1, do CPC), a qual, como é sabido, implica que o requerido, uma vez notificado da decisão que decretou a providência, pode optar por recorrer ou deduzir oposição [arti go 388.º, n.º 1, alíneas a) e b) , do CPC]. O que é “menos comum” não é seguramente, a aplicação de uma
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