TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
231 acórdão n.º 89/11 como referencial normativo, para reconhecer a existência de uma lacuna no sistema e para, num segundo momento, a preencher. Termos em que se conclui pelo não conhecimento do recurso de constitucionalidade quanto à norma do artigo 77.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), na parte em que vem interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). 6.2. A segunda questão é a de saber se estão verificados os pressupostos para a apreciação da constitu- cionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, das normas do artigo 77.º, n. os 1 e 4, do CSC, interpretadas no sentido de «concederem legitimidade ao ex-accionista de uma sociedade nacionali zada para requerer e ver decretado, mesmo após a nacionalização, no interesse da sociedade, procedimento cautelar sem que seja necessário que a sociedade intervenha nos autos em data anterior à decisão que decrete a providência». Conforme alegação da recorrente (cfr. conclusão 27.ª das alegações apresentadas junto do Tribunal da Relação de Lisboa), tal norma, assim interpretada, é materialmente inconstitucional, por assumir um sentido normativo imprevisível para o destinatário da norma, em violação dos artigos 2.º, 9.º, alínea b) , e 20.º da Constituição. Sobre esta questão, o acórdão recorrido limita-se a afirmar que “a lei não exige o litisconsórcio necessário dos sócios e da sociedade”, remetendo para jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto no mesmo sen- tido (cfr. fls. 1666 v. dos autos). A recorrente foi notificada para se pronunciar sobre eventualidade do não conhecimento desta questão, por se admitir, por um lado, que possa não traduzir uma verdadeira questão de constitucionalidade nor- mativa e, por outro, por se ponderar que faltaria legitimidade à recorrente para suscitar uma questão de constitucionalidade que se reporta – quanto à dimensão reputada inconstitucional e quanto aos princípios e normas constitucionais invocados – à esfera jurídica de um terceiro. Em resposta, a recorrente – embora admita que, ao pôr em causa aquela dimensão normativa por não ter “fundamento nem na letra nem no espírito da lei”, pode aparentar uma mera discordância com o sentido da decisão – sustenta a normatividade da questão, uma vez que a inconstitucionalidade é imputada a uma interpretação normativa e não directamente à decisão judicial. Acrescenta que tal interpretação normativa, para além de violar os princípios da certeza e da segurança jurídica e da tutela da confiança, é também aten- tatória do direito à iniciativa privada (artigo 61.º da Constituição) e da garantia institucional da iniciativa pública, bem como da boa administração da justiça (artigo 202.º, n.º 2, da Constituição), na medida em que as requerentes, que já não têm qualquer vínculo com a sociedade, apenas podem estar a prosseguir interessespróprios através da presente acção e, desta forma, estão a afectar a sociedade de que são ex-sócios e que é agorapropriedade pública. A recorrente contrapõe, ainda, que tem legitimidade para impugnar esta norma em sede de recurso de constitucionalidade, pelas seguintes razões: a) a questão da inconstituciona- lidade material ou orgânica das normas é de conhecimento oficioso; b) a recorrente invocou na arguição da inconstitucionalidade e no requerimento de interposição do recurso, princípios constitucionais de que é reflexamente beneficiária; c) a recorrente concretiza e alarga nas suas alegações o leque de princípios que considera violados pela norma do n.º 4 do artigo 77.º, tal como foi interpretado, sendo inequivocamente beneficiária directa destes; d) o 1.º requerido tem interesses contratuais directos próprios na aplicação dos princípios constitucionais invocados, interesses que se transmitem à recorrente por o recurso interposto aproveitar sempre aos compartes, tudo se passando como se ocorresse litisconsórcio necessário entre estes. Cumpre decidir. Pode admitir-se, não obstante as dúvidas que o modo como a inconstitucionalidade vem alegada suscita, que ela é imputada a uma dada interpretação normativa e não directamente à decisão judicial, em si mesma. Quanto à outra eventual causa de não conhecimento, nesta parte, do recurso, invocada no despacho em referência, cabe dizer que a recorrente não logra convencer da sua legitimidade para impugnação da interpretação objecto da questão de constitucionalidade. Na verdade, quer no requerimento de interposição do recurso, quer na resposta ao despacho, o essencial das suas considerações vai dirigida à alegação de que o
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