TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mesmo em casos de procedimento cautelar decretado sem contraditório prévio em que tal excepção tenha sido invocada imediatamente após a citação da Requerida em sede de recurso; e julgado improcedente o recurso interposto da decisão que aplicou a norma contida no artigo 77.º, n.º 1, quando interpretada no sentido de atribuir legitimidade ao ex-accionista de uma sociedade nacionalizada para requerer, no interesse da mesma, procedimento cautelar, reputada inconstitucional.» Tudo visto, cumpre apreciar e decidir. II − Fundamentação A) Não conhecimento de parte do objecto do recurso 6. Cumpre decidir, em primeiro lugar, as questões de não conhecimento parcial do objecto do recurso suscitadas no referido despacho de fls. 1726/1727. 6.1. A primeira questão é a de saber se é admissível o recurso de constitucionalidade quanto à norma do artigo 77.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), na parte em que vem interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o que implica saber se a decisão recorrida recusou, ainda que de forma implícita, a aplicação desta norma legal. A recorrente defende que o tribunal a quo recusou implicitamente a norma contida no artigo 77.º, n.º 1, do CSC, «(…) na interpretação que inicialmente lhe conferiu de que “o sócio (...) por já não ser titular das suas participações na totalidade do capital social do C., S. A., deixa de estar legitimidade para exercer o seu direito de accionar os ex-administradores do C., S. A., nos termos do artigo 77.º do CSC”, criando depois, por alegada integração de uma lacuna, a norma aplicada por “imposição constitucional da tutela efectiva pelo julgador intérprete” que julgou necessária para assegurar, no caso, o cumprimento do “princípio constitucional ínsito no artigo 20.º da Constituição (…)”». A inexistência de uma qualquer recusa “implícita” de aplicação da norma do artigo 77.º, n.º 1, do CSC, afigura-se manifesta. Na verdade, o acórdão recorrido – quanto à questão de saber se a 2.ª requerente da providência cautelar de arresto, ou seja, a sociedade B. SGPS, S. A., tinha, ou não, legitimidade para requerer o arresto – começa por salientar (fls.1665 dos autos) que, à luz do disposto no artigo 77.º do CSC, tal legi timidade não assistiria àquela requerente; faz notar, depois, que «é patente que o legislador não previu a hipó- tese de o único titular de todas as acções de uma determinada sociedade, lesada reflexa ou indirectamente por actos dos ex-Administradores da mesma sociedade, como é o caso da 2.ª requerente, se ver desapossada de todas as suas acções por acto unilateral e apropriativo do Estado. Mas ela é em tudo idêntica à do sócio, ainda titular de todas as acções da sociedade que se sinta reflexa e indirectamente lesado pela diminuição des- sas participações sociais por actos dos ex-administradores que, atingindo o património social da sociedade, atingem reflexa e indirectamente o valor dessas participações». Dessa identidade de situações retira o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a conclusão de que «se o legislador tivesse previsto a situação lacunar, não teria deixado de consignar a respectiva situação», decidindo que tal lacuna legal deve ser preenchida, “por imposição constitucional da tutela efectiva”, pela atribuição de legitimidade ao sócio desapossado da titulari- dade das acções por acto apropriativo e unilateral do Estado. Resulta do exposto que o tribunal recorrido não recusou a aplicação da norma do artigo 77.º, n.º 1, do CSC, ainda que implicitamente. O alcance prescritivo com apoio directo e literal no enunciado nor- mativo (a legitimidade dos sócios) não foi, por qualquer forma, eliminado, restringido ou corrigido, como seria necessário para que se pudesse equacionar uma situação de recusa implícita de aplicação. Deixando perfeitamente intocado esse alcance, o acórdão recorrido apenas acrescentou, para além dele , uma outra dimensão normativa (a legitimidade dos sujeitos que perderam a qualidade de sócios por acto de nacionali zação). Considerando que, em relação a estes sujeitos, procedem as mesmas razões justificativas da solução legal, o intérprete aplicou-a, por analogia. A norma do artigo 77.º, n.º 1, do CSC foi, deste modo, utilizada
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