TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
224 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL C – Da inconstitucionalidade material da norma do artigo 77.º, n.º 4, do CSC (interpretada no sentido de não ser necessário que a sociedade beneficiária da providência intervenha nos autos em data anterior à decisão que decrete a providência). 47.º – Está em causa a inconstitucionalidade material da norma contida no artigo 77.º, n.º 4, do CSC, inter pretada no sentido de não ser necessário que a sociedade beneficiária da providência cautelar requerida por ex- -accionista intervenha nos autos em data anterior à decisão que decrete a providência, ou seja, sem que seja exigido o litisconsórcio activo necessário inicial ou subsequente até à decisão do procedimento. 48.º – A ora Recorrente dá aqui como integralmente reproduzidos os argumentos expendidos supra contra a inconstitucionalidade da norma aplicada no douto Acórdão recorrido, na sequência da alega integração da lacuna do artigo 77.º, n.º 1, do CSC, atributiva de legitimidade activa ao ex-accionista sem exigência de litisconsórcio inicial. 49.º – Tais argumentos assumem relevância redobrada a partir do momento em que, não se trata apenas de atribuir legitimidade activa inicial ao ex-accionista de uma sociedade nacionalizada, e se admite também e cumu- lativamente que tal ex-accionista, litigue sozinho até à decisão que decrete o procedimento cautelar de arresto, ou seja, sem que se exija, pelo menos, a verificação de um litisconsórcio necessário activo subsequente. 50.º – Tal norma é, na óptica da Recorrente, materialmente inconstitucional: a) por violar o princípio da proibição do excesso e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, in fine , da CRP), e restringir, de forma desnecessária, a tutela dos direitos ao bom nome, à reserva da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), em violação do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), atribuindo uma legitimidade activa incondicional a um mero ex-accionista para intentar e obter a procedência, e, designadamente, o arresto preventivo, em que apenas tem interesse indirecto; b) por violar o direito à boa administração da Justiça, que exige, em princípio, a presença em juízo de todas as partes directamente interessadas na resolução do litígio, de forma a evitar a repetição de causas, o des- perdício de meios, e que os tribunais produzam decisões eventualmente contraditórias sobre os mesmos factos e questões jurídicas; boa administração da Justiça que é inerente ao princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), sendo uma das tarefas do próprio Estado [artigo 9.º, alínea b) ] e (artigo 202.º, n.º 2, da CRP); c) por violar o direito à propriedade dos Requeridos, de forma desnecessária e não proporcional (artigos 62.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP), ao permitir a atribuição incondicional, e não ao menos em casos de justo impedimento, de legitimidade activa e sem a exigência de um litisconsórcio necessário activo, ainda que subsequente, a um Requerente ex-accionista apenas indirectamente interessado no procedimento cautelar de arresto, o que consubstancia uma restrição ao direito de propriedade dos Requeridos (desnecessária, por exemplo, caso não exista interesse do titular do direito alegadamente acautelado, ou este não pretenda exercer o seu direito ao procedimento), obtida pela possibilidade de procedência de uma providência que impede o Requerido, por exemplo, de alienar ou onerar qualquer imóvel, ou de usar qualquer valor arres tado. d) por violar os direitos próprios do ex-Administrador requerido, que se estendem à Recorrente, de exigir, logo de início, ou pelo menos, antes de ser decretado o arresto, a presença em juízo da entidade administra- da, verificando-se a inconstitucionalidade da norma que, de forma desnecessária e incondicionada, atribua legitimidade activa e não condicionada, pelo menos, a um litisconsórcio activo necessário subsequente, à ex-accionista da sociedade que tenha deixado de o ser na sequência de processo de nacionalização. 51.º – A boa administração da Justiça exige um correcto conhecimento dos factos pelo tribunal e, portanto, que todas as partes interessadas sejam em princípio ouvidas sobre estes, e se pronunciem de forma a esclarecer o tri- bunal. Num caso de procedimento cautelar a decretar sem audiência prévia existem redobradas razões para se ouvir o titular do direito a acautelar, e não apenas um seu ex-accionista. Nesse caso, além de não se ouvir o Requerido, não se ouviria ainda o beneficiário da providência, o que se afigura uma desnecessária restrição aos interesses da boa administração da Justiça.
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