TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

223 acórdão n.º 89/11 B – Da inconstitucionalidade material da norma aplicada (criada por integração): 36.º – O tribunal a quo criou uma nova norma para preencher a lacuna que decorreu da recusa de aplicação da norma contida no n.º 1 do artigo 77.º do CSC, que enunciou da seguinte forma: o sócio titular único de todas as acções por acto apropriativo e unilateral do Estado, é parte legítima para propor acção social de responsabilidade contra os ex-Administradores com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado. E tendo a 2.ª Requerente legitimidade para a acção tem-na para a interposição do arresto cautelar.”. 37.º – Assim, a norma objecto do recurso de constitucionalidade é também a norma resultante do processo da integração da alegada lacuna, contida no artigo 77.º, n.º 1, do CSC, interpretada no sentido de conceder legi­ timidade ao ex-accionista de uma sociedade nacionalizada para requerer, no interesse da mesma, procedimento cautelar, caso a mesma não o faça. 38.º – Dão-se brevitatis causa como integralmente reproduzidas as conclusões supra identificadas com os n. os 5 a 25, 27 a 34. 39.º – A inexistência de um interesse directo no procedimento, e o facto de o ex-accionista, já só prosseguir interesses pessoais e já não sociais é, na óptica da ora Recorrente, determinante para a inconstitucionalidade mate- rial da norma aplicada no douto acórdão recorrido. 40.º – A norma criada e aplicada com o objectivo de atribuir legitimidade ao ex-accionista da sociedade beneficiária, sem necessidade de o impulso do procedimento ser da mesma, viola artigo 20.º da CRP, por negar à sociedade beneficiária o direito à tutela jurisdicional efectiva. 41.º – Ao admitir-se através da norma aplicada que a sociedade controlada pelo Estado deixe de poder determinar se e quanto recorre a juízo para acautelar um direito que é seu, viola-se a própria propriedade pública e a garantia institucional do sector público empresarial [artigos 81.º, alíneas b) e d) , e 82.º, n.º 1 e n.º 2, da CRP] e, portanto, a iniciativa empresarial pública, que ficam em causa pela ingerência desnecessária e ilegítima na gestão da referida socie- dade por parte de terceiros, através da concessão de legitimidade para instaurar acções alegadamente no seu interesse. 42.º – A norma criada e aplicada no douto Acórdão recorrido é manifestamente imprevisível para o seu des- tinatário. 43.º – Ao ser afastada a aplicabilidade da norma claramente contida no artigo 77.º, n.º 1, do CSC, e ao ser criada subsequentemente – através de um processo de alegada integração de lacuna – uma nova norma que atribui legitimidade activa a um ex-accionista obviou-se “de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essen­ ciais do Estado de direito democrático’ pelo que tal norma ‘terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. o Acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional , 17.º Vol., p. 65 e Diário da República , 1.ª série, de 26 de Dezembro de 1990).”. 44.º – Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a norma criada e aplicada no douto acórdão recorrido é materialmente inconstitucional por violar o princípio da certeza e da tutela da confiança jurídica. 45.º – A atribuição a uma mera ex-accionista (e já não a um accionista com uma participação tida como legal- mente relevante) para intentar a designada acção uti singuli abre a porta para a tutela desnecessária do direito de acesso à jurisdição efectiva em benefício de quem já só é titular de interesses pessoais, indirectamente inerentes à causa, em violação do direito ou interesse de não ser demandado (desde logo, de forma arbitrária ou desnecessária), num procedimento cautelar caracterizado pela dependência e instrumentalidade em relação à causa principal, que pode vir a não ser ratificado pelo titular do direito a acautelar. 46.º – A norma atributiva de legitimidade ao ex-accionista da sociedade pública, sem a exigência de listiscon- sórcio inicial activo, viola os artigos 18.º, n.º 2, 20.º e 82.º, n.º 2, ambos da CRP, por negar de forma desnecessária à sociedade beneficiária o direito à propriedade, gestão e iniciativa da empresa pública nacionalizada, bem como, o princípio da segurança e da confiança jurídica, e restringe, de forma desnecessária, os direitos ao bom nome, à reserva da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), violando ainda os interesses constitucional inerentes à boa administração da Justiça, por violação do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

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