TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
222 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 22.º – Na óptica da Recorrente o direito à boa administração da Justiça exige, em princípio, que o impulso processual pertença ao titular do direito a acautelar em juízo, sob pena de se admitir a hipótese de este vir a não ratificar o procedimento, e da consequente caducidade do mesmo, com a dispersão de meios que tal implica em prejuízo do bom funcionamento dos tribunais. 23.º – O artigo 62.º, n.º 1, da CRP, consagra o direito à propriedade privada, direito este de natureza complexa que se subdivide num conjunto de outros direitos, como seja, o de o proprietário usar, fruir, vender, onerar, e dis- por livremente do bem objecto da propriedade. 24.º – Qualquer procedimento cautelar com incidência no património do Requerido consubstancia uma com- pressão do direito de propriedade do mesmo com o objectivo de acautelar o direito creditório de terceiros sobre a pessoa do proprietário. 25.º – É, pois, natural que o legislador, dentro da discricionariedade que tem na matéria, limite os casos em que atribui legitimidade a meros titulares de interesses indirectos face à ponderação casuística dos interesses em presença, à luz dos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade, boa administração da Justiça e da proibição do excesso. 26.º – E daí também que se verifique a constitucionalidade da norma que vede a legitimidade ao ex-accionista em intentar procedimento cautelar, e, designadamente, o arresto preventivo. Acresce que: 27.º – A sociedade beneficiária da providência tem direito fundamental em ser ela a enformar e impulsionar qualquer acção, ou providência, intentada em seu benefício. 28.º – O direito à tutela jurisdicional efectiva da sociedade beneficiária impõe, designadamente, que seja esta a configurar o pedido efectuado em seu benefício no procedimento, pela forma que considerar mais favorável aos seus interesses, que possa a escolher o meio processual a que recorre, que possa decidir se recorre ou não a Tribu- nal, se privilegia uma solução de acordo, se demanda este ou aquele seu ex-Administrador em concreto, e em que momento em que o faz. 29.º – Pertencendo a sociedade beneficiária do procedimento ao accionista único Estado, tem o mesmo direito à respectiva administração. 30.º – A garantia constitucional da propriedade pública e da iniciativa empresarial pública [artigos 81.º, alíneas b) e d) , e 82.º, n.º 1 e n.º 2, da CRP] ficam em causa pela ingerência na gestão da referida sociedade de terceiros ex-accionistas, através da concessão aos mesmos de legitimidade para instaurar acções alegadamente no alegado interesse da sociedade pública. 31.º – Ora, o direito de acesso à Justiça não exige que ex-accionistas afectem a gestão da sociedade rejeitando a figura processual prevista no artigo 77.º, n.º 1, do CSC, e recriando a mesma com contornos abusivos e injustifica- dos, sob pena de se lesar a iniciativa privada e, no presente caso, a iniciativa pública, constitucionalmente garantida. 32.º – A entenderem-se lesados, deverão ex-accionistas recorrer a outro meio processual, plasmado no artigo 79.º do CSC. 33.º – Assim, caberia à empresa pública, ou ao seu novo accionista Estado, interpor a providência requerida, sendo irrelevante à luz da lei se o ex-accionista perdeu ou não essa qualidade de forma voluntária ou involuntária (como aconteceria no caso de amortização de uma quota, ou no caso de penhora e venda coerciva da mesma). Por outro lado: 34.º – O princípio da certeza jurídica e da tutela da confiança impõe que se presuma que o legislador disse aquilo que quis dizer e que, na dúvida, se considere que a norma é conforme à Constituição, ao invés de a rejeitar com motivos de constitucionalidade em prejuízo das expectativas que a mesma criou nos respectivos destinatários. 35.º – Pelo exposto, a norma contida pelo artigo 77.º, n.º 1, do CSC, interpretada no sentido de o ex-accionis ta após nacionalização não ter legitimidade activa para intentar ou requerer acções, ou procedimento cautelares, no interesse da sociedade nacionalizada, não é materialmente inconstitucional e não viola o artigo 20.º da CRP, ou qualquer outra norma ou princípio constitucional, não havendo fundamento para a recusa da sua aplicação pelo Venerando tribunal a quo . Se assim não se entender:
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