TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
221 acórdão n.º 89/11 10.º – Mesmo o interesse indirecto e reflexo do accionista em demandar no interesse da Sociedade só foi consi- derado relevante pelo legislador quando a participação atinja pelo menos 5%, ou 2% caso as acções da sociedade estejam cotadas em bolsa, o que demonstra que o legislador sentiu necessidade de limitar os casos em que atribuía ao accionista legitimidade activa para a acção uti singuli . 11.º – O referido interesse indirecto do accionista cessa ou diminui consideravelmente a partir do momento em que perdeu a qualidade de accionista, independentemente da perda dessa qualidade ter, ou não, ocorrido através de acto involuntário ou unilateral. O interesse indirecto do accionista não se confunde com o interesse indirecto e pessoal do ex-accionista. O accionista prossegue nitidamente o interesse social, já o ex-accionista apenas prossegue o seu interesse pessoal, ainda que o mesmo possa eventualmente ser convergente com o da sociedade. 12.º – No caso concreto, o ex-accionista receberá a sua indemnização com base no valor das suas participações determinado em avaliação do “efectivo património líquido” do C. à data da nacionalização – 11.11.2008 – e, por conseguinte, não considerando as eventuais indemnizações a pagar ao C., S. A. por ex-Administradores do mesmo em data necessariamente posterior. 13.º – Isto é, se o ex-accionista se achar prejudicado com o valor pelo qual lhe foi (ou venha a ser) paga pela sua participação no âmbito da nacionalização, ou reclama do valor que recebeu directamente junto do accionista adquirente Estado, ou reclama directamente, em acção por si intentada com base no artigo 79.º, n.º 1, do CSC, contra os ex-Administradores que tenham dado azo à desvalorização das suas acções e à sua subsequente transmissão – via nacionalização – por um valor inferior àquele que existiria não fosse à conduta de tais ex-Administradores. 14.º – Consequentemente, é de se concluir que o direito à tutela judicial efectiva dos direitos titulados pelo ex-accionista, está legalmente assegurado com a previsão do artigo 79.º do Código de Sociedades Comerciais. 15.º – Assim, não ofende o direito de acesso à Justiça que a 2.ª Requerente apenas tenha legitimidade enquanto accionista para requerer a providência cautelar de arresto no interesse da sociedade de que é accionista e enquanto o for. Sem conceder: 16.º – Mas, mesmo que se entendesse que o direito de acesso à Justiça compreende a tutela de direitos de terceiro, haveria sempre que aferir se se justificaria considerar como inconstitucional a norma contida no artigo 77.º, n.º 1, do CSC, à luz da ponderação de direitos e interesses constitucionalmente consagrados e conflituantes. É que, 17.º – O direito de acção de quem demanda é limitado e terá de ser enformado pela exigência de um processo equitativo. 18.º – Na óptica da Recorrente, o princípio do processo equitativo exige, em princípio, que o impulso pro- cessual seja do titular do direito que se pretende tutelar ou acautelar com a acção ou procedimento, sob pena de se estar a litigar no pressuposto e em nome da efectivação de um direito que, a limite, o respectivo titular pode reconhecer que não tem, decidir não exercer contra o demandado, ou não pretender exercê-lo pela forma concreta com que veio a ser exercido em seu alegado benefício. 19.º – O direito ou interesse de não ser demandado (desde logo, de forma arbitrária ou desnecessária, numa causa que pode até não vir a ser ratificada pelo titular do direito a tutelar ou acautelar) encontra fundamento espe cífico no direito a um processo equitativo enquanto direito, liberdade e garantia implícito, e que constitui ainda um corolário do direito ao bom nome e à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), que goza de natureza análoga a direito, liberdade e garantia e fica sujeito ao seu regime por força do artigo 17.º da CRP. 20.º – Feita a ponderação entre o eventual interesse indirecto e reflexo em demandar sozinho de quem (como o ex-accionista) não tenha um benefício directo no desfecho da causa, e o interesse a não ser desnecessariamente demandado numa causa que não seja impulsionada pelo titular do interesse directo invocado, não se vislumbra que seja inconstitucional vedar, através do artigo 77.º, n.º 1, do CSC, a legitimidade ao ex-accionista, que, conforme acima se referiu, tem um interesse necessariamente diferente do ainda accionista. 21.º – A boa administração da Justiça, é em si, um direito ou interesse colectivo constitucionalmente consa- grado e inerente ao próprio princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), sendo uma das tarefas do próprio Estado [artigo 9.º, alínea b), e artigo 202.º, ambos da CRP].
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