TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

214 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 19.° – Ora, o direito de acesso à justiça não permite que ex-accionistas afectem a gestão da sociedade abusando da figura processual prevista no artigo 77.°, n.° 1, do CSC, sob pena de se lesar a iniciativa privada e, no presente caso, a iniciativa pública, constitucionalmente garantida. 20.°– Tal conclusão resulta claro da circunstância de o legislador prever expressamente outros meios para pequenos accionistas ou pessoas que o não sejam de se ressarcirem de eventuais danos por força da gestão da socie­ dade (artigo 79.° do CSC), aplicando, aliás, meros princípios gerais do Direito Civil. A entenderem-se lesados, deveriam as Requerentes, ora Recorridas, ter recorrido a outro meio processual. 21.º – Deste modo, a norma criada pelo douto Acórdão recorrido não só não é imposta pela Constituição, como viola os bens constitucionais do direito à iniciativa privada (artigo 61.º CRP) e da garantia institucional da iniciativa pública, violando ainda o dever dos Tribunais na procurada da verdade, da boa administração da Justiça e o dever de dirimir os conflitos de interesses públicos e (artigo 202.°, n.° 2, da CRP), para a qual não deixaria de contribuir o chamamento à demanda da sociedade nacionalizada beneficiária do procedimento. 22.° – Finalmente, salvo o devido respeito, que é muito, a reputada integração de uma “situação lacunar” por imperativo do disposto no artigo 20.° da CRP douto Acórdão recorrido relativamente ao artigo 77.°, n.° 1, do CSC norma completamente nova em sua substituição que foi aplicada retroactivamente ao presente caso e que não era minimamente previsível para os destinatários da mesma, sendo esta mesma norma (e não agora directamente o processo da sua criação, para efeitos de controlo pelo Tribunal Constitucional) materialmente inconstitucionais por violar o princípio da certeza e da segurança jurídica, pilar dos princípios do Estado de direito democrático [arts.° 2.° e 9.°, alínea b) , da CRP], dado o seu carácter radicalmente retroactivo e natureza completamente inova- dora, e organicamente inconstitucional por lesão ao princípio da separação de poderes (artigo 111.º CRP) ao invadir a função legislativa reservada aos órgãos de soberania políticos. 23.º – Consequentemente, na óptica da ora Recorrente, o douto Acórdão recorrido recusou implicitamente a aplicação da norma contida no artigo 77.°, n.º 1, do CSC, interpretada no sentido [único compatível com a normal] de os ex-accionistas não terem legitimidade activa para intentar ou requerer acções ou providências cautelares no interesse da sociedade nacionalizada e, segundo se julga, ao o fazer criou uma norma inconstitucional a vários títulos. 24.° – A ora Recorrente invocou a inconstitucionalidade material da norma em causa nas suas conclusões n. os 16 a 22 do recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e, existindo (na óptica da Recorrente) recusa (tácita) de aplicação da norma contida no artigo 77.°, n.° 1, do CSC com fundamento na sua inconstitucionalidade, deve o presente recurso, nesta parte, ser admito à luz do disposto no artigo 70.°, n.° 1, alínea a), mas também, caso se entenda que não houve recusa de aplicação do artigo 77.°, n.° 1, do CSC, à luz da alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15/11, uma vez que a inconstitucionalidade daquela norma (com interpretativo alcançado) foi oportunamente invocada pela Recorrente. – Artigo 77.°, n. os 1 e 4, do CSC: 25.° – O artigo 77.°, n.° 4, do CSC, exige que “quando a acção social de responsabilidade for proposta por um ou vários sócios nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes.”. 26.° – Ou seja, mesmo que a 2.ª Requerida fosse parte legítima para demandar com base no artigo 77.°, n.° 1, do CSC (o que não se concede) resulta dos autos que a C., S. A. [beneficiária do arresto] não foi chamada nem interveio na providência cautelar, intentada no dia 21 de Novembro de 2008 e decretada a seu favor em 29 de Dezembro de 2008. 27.° – As normas contidas nos artigos 77.°, n. os 1 e 4, do CSC, quando interpretadas singular ou conjugada- mente, como o foram no douto Acórdão recorrido, no sentido, de concederem legitimidade ao ex-accionista de uma sociedade nacionalizada para requerer e ver decretado, mesmo após a nacionalização, no interesse a sociedade, procedimento cautelar sem que seja necessário que a sociedade beneficiária intervenha nos autos em data anterior à decisão que decrete a providência, são materialmente inconstitucionais, por assumirem um sentido normativo manifestamente imprevisível para o destinatário da norma, em violação dos artigos 2.° e 9.º, alínea b) , 20.° (direito de acesso ao direito, logo previsível) da CRP.

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