TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
213 acórdão n.º 89/11 8.° – Ao acabar por lhes conferir tal legitimidade por meio de um alegado processo interpretativo/integrativo sem um mínimo de apoio literal, o douto Acórdão recorrido mais não fez do que declarar efectivamente a incons- titucionalidade do artigo 77.°, n.° 1, do CSC, conferindo, pois, à ora Recorrente legitimidade para solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação de tal decisão, nos termos do artigo 280.°, n.° 1, alínea a), da CRP. 9.º – Com efeito, na óptica da Recorrente, o douto Acórdão recorrido não fez uma verdadeira interpretação da norma contida no artigo 77.°, n.° 1, do CSC, declarando até que aplicou a norma que o legislador teria criado se tivesse previsto a “situação lacunar”. 10.º – A este respeito, escreveu-se no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 90/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt , o seguinte, que aqui se reitera: “[...] só pode apresentar-se como sendo interpretação de uma determinada norma jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra ou o normas jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor- respondência verbal, ainda que imperfeitamente deve presumir que o legislador [...] soube exprimir o seu pensa- mento em adequados.”. 11.º – A integração da pretensa lacuna configura, na perspectiva da Recorrente, uma recusa implícita de apli- cação do artigo 77.° do CSC [mormente do seu n.° 1 com fundamento na sua inconstitucionalidade, operada a pretexto da pretensa exigência de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) para os casos em que a perda da qualidade de accionista provenha de nacionalização. 12.°– Na óptica da ora Recorrente, não existe qualquer “situação lacunar” na norma, e o douto Acórdão recorrido julgou inconstitucional a norma contida pelo artigo 77.°, n.° 1, do CSC, interpretada no sentido de os ex-accionistas, após a nacionalização, não terem legitimidade activa para intentar ou requerer acções ou procedi- mentos cautelares no interesse da sociedade nacionalizada, por alegadamente violar o artigo 20.° da CRP, e, na sequência de tal julgamento de inconstitucionalidade, recusou tacitamente a aplicação de tal norma, e procedeu à criação e aplicação de uma norma nova, com um sentido que o artigo 77.°, n.° 1, do CSC não comporta, por forma a atribuir legitimidade ao ex-accionista de uma sociedade nacionalizada para requerer providência cautelar no interesse da sociedade. 13.° – A norma contida pelo artigo 77.°, n.° 1, do CSC, interpretada no sentido de o ex-accionista após nacio- nalização não ter legitimidade activa para intentar ou requerer acções, ou procedimento cautelares, no interesse da sociedade nacionalizada, não é materialmente inconstitucional e não viola o artigo 20.° da CRP, ou qualquer outra norma ou princípio constitucional, não havendo fundamento para a recusa da sua aplicação. 14.° – Efectivamente, o direito de acesso à justiça garante o acesso a quem tem um direito ou interesse legítimo em levar a sua causa a Tribunal, cabendo ao legislador alguma margem de discricionariedade na configuração das acções adequadas à obtenção de tutela judicial, tendo presente a necessidade de salvaguardar outros bens constitu- cionais e o princípio da proporcionalidade. 15.° – Consequentemente, pode reservar a figura processual utilizada apenas/aos sócios ou mesmo ir mais longe e limitá-la somente aos sócios titulares de um mínimo do capital social, como faz o artigo 77.°, n.° 1. 16.° – Assim, não ofende o direito de acesso à justiça que a 2.ª Requerente apenas tenha legitimidade para requerer a providência cautelar de arresto no interesse da sociedade de que é accionista enquanto o for, tendo pre- sente a necessidade de limitar aos sócios o poder de controlar a sociedade em homenagem ao direito à iniciativa privada e mesmo ao direito à propriedade. 17.º – No presente caso, pelo contrário, encontrando-se a sociedade controlada pelo Estado, é a própria pro- priedade pública e a garantia institucional do sector público empresarial [artigos 81.°, alíneas b) e d), e 82.°, n.° 1 e n.° 2, da CRP] e, portanto, a iniciativa empresarial pública, que ficam em causa pela ingerência na gestão da referida sociedade por parte de terceiros pela concessão de legitimidade para instaurar acções alegadamente no seu interesse. 18.° – Como é possível alegar-se que ainda se prossegue o interesse da sociedade, como impõe o artigo 77.°, n.° 1, do CSC, quando os Requerentes do procedimento não têm já qualquer vínculo com esta? Resulta claro que apenas prosseguem interesses pessoais.
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