TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
183 acórdão n.º 54/11 Mas no meio de tudo isto, ainda há a situação trágica que hoje é frequente realidade, daqueles que empregados, não recebem salários há vários meses, que querem cumprir e não podem e aos quais nada se pode descontar no (inexistente) vencimento (...).» Visando colmatar as deficiências apontadas ao regime de direito ordinário então vigente, apoiado apenas na solidariedade familiar (artigo 1878.º do Código Civil), a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, determinou que o Estado, através do FGADM, assegure a satisfação dos alimentos a menores residentes em território nacional quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º da OTM, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (artigos 1.º e 6.º). As prestações a pagar pelo Fundo são fixadas pelo tribunal, sem poder exceder o montante de 4 unidades de conta, devendo atender-se à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (artigo 2.º), ficando o Fundo sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso (artigo 6.º, n.º 4). A intervenção estadual em matéria de alimentos a menores consagrada na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, reveste, pois, natureza subsidiária, uma vez que tem como pressuposto legitimador a não reali zação coactiva da prestação alimentícia a cargo dos progenitores, judicialmente fixada, através dos meios executivos previstos na lei. Apercebendo-se que, em caso de frustração do cumprimento da obrigação de alimentos no quadro da solidariedade familiar, os menores podiam incorrer numa situação grave de falta ou diminuição de meios de subsistência, entendeu-se que, nestes casos, o Estado não podia deixar de intervir, a título subsidiário, de modo a evitar esse cenário de risco. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/05, “(…) a insatisfação do direito a alimentos atinge directamente as condições de vida do alimentando e, ao menos no caso das crianças, com- porta o risco de pôr em causa, sem que o titular possa autonomamente procurar remédio, se não o próprio direito à vida, pelo menos o direito a uma vida digna” (em Acordãos do Tribunal Constitucional , 62.º Vol., p. 649). A definição de um regime de intervenção do Estado nestas situações de insucesso da solidariedade familiar, mesmo após a tentativa frustrada da sua imposição coactiva, limitou-se a satisfazer claras exigências constitucionais. Na verdade, incumbe ao Estado de Direito Social organizar um sistema de segurança social que assegure inter alia a protecção efectiva desses menores em particular, para, assim, garantir o respectivo direito fundamental a uma sobrevivência minimamente condigna, uma vez que estes se encontram em situa- ção de falta de meios de subsistência e de capacidade para o trabalho (artigo 63.º, n. os 1 e 3, da Constituição, em cujo conteúdo essencial já se mostra suficiente e autonomamente projectado o princípio da dignidade da pessoa humana). Essa mesma intervenção protectiva do Estado é aliás, especificamente, exigida pelo artigo 69.º, n.º 1, da Constituição. Da imposição constitucional de, nas situações descritas, o Estado dar uma resposta eficaz a estes ditames se apercebeu o próprio legislador ordinário que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que veio regulamentar a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, escreveu: «A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumin do uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em espe- cial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância,
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