TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Aos pais e às mães é garantido o direito a protecção especial na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos. As crianças têm direitos que o Estado deve assegurar e fazer respeitar, com vista ao seu desenvolvimento inte- gral. Aos jovens é constitucionalmente assegurada protecção adequada para efectivação dos seus direitos económi- cos, sociais e culturais ... É sabido quão longe nos encontramos de uma efectiva realização de todos estes direitos e como se fazem sentir aqui agudamente as desigualdades que caracterizam a sociedade portuguesa. Como ignorar então que tudo isto se reflecte no incumprimento das obrigações alimentares, sem que a lei ordinária assegure um eficaz sistema de protecção dos menores que dela mais carecem? É certo que a reforma do Código Civil empreendida em 1977 alterou o instituto das obrigações alimentares, dando um importante passo para o adequar ás novas realidades. Hoje a Lei reflecte as novas realidades e aponta para a transformação social. Mas, apesar de tudo, mantém-se as distorções e há normas a rever como de uma maneira geral se reconhece. A inadequação da Lei torna-se ainda mais patente quando se tem em conta o grande número de crianças que hoje vivem e são educadas na companhia só da mãe ou só do pai, quer por terem nascido fora do casamento, quer por força da separação ou divórcio dos pais. Não se pode ignorar, finalmente, que existe ainda um enorme desconhecimento dos próprios direitos consa- grados na Lei por parte de quem mais carência tem de os conhecer e exercer... Sobre as formas de alteração da situação que ficou descrita vem sendo travado desde há anos um útil debate de dimensão internacional, cujas conclusões apontam para a necessidade de intervenção do Estado . Segundo documentos aprovados pelo Conselho da Europa, os países membros devem garantir aos menores o adiantamento das pensões alimentares fixadas judicialmente, quando a pessoa obrigada ao seu pagamento não cumpra os seus deveres. O Estado ficará então subrogado nos direitos dos menores, devendo exigir ao devedor as pensões não pagas. Trata-se de soluções cuja concretização no direito português se afigura urgente face às carências existentes e aos imperativos constitucionais. A Organização Tutelar de Menores tal como se encontra, continua a não dar cumprimento a essas directrizes e tão pouco se adequa aos princípios que enformaram a reforma do Código Civil no que toca à família e ao instituto dos Alimentos. Se a pessoa obrigada à prestação de alimentos está ausente em parte incerta, se está ausente no estrangeiro ainda que se lhe conheça o paradeiro, se trabalhar por conta própria, se não trabalhando por conta própria estiver com recibo verde, se mudar constantemente de emprego, se não cumprir a sua obrigação – que pode fazer a pessoa a quem foi confiada a guarda do menor? No primeiro caso – ausência em parte incerta – nada há a fazer. Apenas emoldurar a sentença do Tribunal como recordação da inoperância da legislação, do demissionismo do Estado. No segundo caso – ausência no estrangeiro – verifica-se a extrema dificuldade em fazer funcionar a Convenção sobre o reconhecimento e execução das decisões relativas às obrigações alimentares, ratificada por Portugal, bem como os instrumentos internacionais celebrados com vários Estados. Uma que outra vez atinge a finalidade. Mas quantos anos após a decisão judicial? Depois de labirintos e bar- reiras burocráticas? No terceiro caso – o do trabalhador por conta própria que não cumpre, ou o trabalhador falsamente classi- ficado como prestador de serviços – normalmente “não tem bens e não tem rendimentos”. Daí a total impossibi- lidade de fazer funcionar o artigo 1118.º do Código do Processo Civil. Mas ainda que haja bens e rendimentos, o alimentado terá de aguardar pacientemente o decorrer dos largos meses ou até anos, defrontando-se com repetidas certidões negativas de notificação do executado. No último caso - o do trabalhador que frequentemente muda de emprego - haverá que renovar periodicamente perante o Juiz a solicitação de proceder a inquérito para determinar qual a nova entidade do faltoso.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=