TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

181 acórdão n.º 54/11 Nas alegações de recurso, restringiu o objecto do pedido de fiscalização a uma determinada interpreta- ção deste dispositivo. Da leitura da fundamentação da decisão recorrida consta-se que esta interpretou o transcrito preceito com o sentido de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão. E foi este critério normativo, extraído da interpretação do referido artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que a decisão recorrida considerou que violava a Constituição, como caminho neces­ sário para, no caso concreto, poder determinar o pagamento pelo FGADM das pensões de alimentos devidas a dois menores desde Abril de 2010 (data do pedido), apesar dela só ter sido proferida em Setembro de 2010. Assim sendo, constata-se que a norma recusada foi precisamente essa leitura normativa do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, pelo que deve ser ela a integrar o objecto do presente recurso de constitucionalidade. 2. Do mérito do recurso Reflectindo uma sociedade assente no princípio da solidariedade familiar, o dever de prover ao sustento das crianças incumbe numa primeira linha aos pais (artigo 36.º, n.º 5, da Constituição), fundando-se esta obrigação de alimentos na relação de filiação e fazendo parte integrante do conteúdo do poder paternal (vide um relato da atribuição do dever jurídico de prestar alimentos aos filhos desde o Direito Romano e acom- panhando a sua evolução no direito português, J. P. Remédio Marques, em «Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) versus o dever de assistência dos pais para com os filhos (em especial filhos menores)», nota 39, da edição de 2000, da Coimbra Editora). Contudo, a natural necessidade de protecção das crianças, não podia deixar um Estado que visa a reali­ zação da democracia económica e social (artigo 2.º da Constituição) à margem da tarefa de assegurar o seu crescimento saudável, reconhecendo-se expressamente que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono” (artigo 69.º, n.º 1, da Constituição), assim como os pais e as mães devem gozar de protecção “na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos” (artigo 68.º, n.º 1, da Constituição). Em apoio de uma solidariedade familiar impôs-se uma responsabilidade estadual, com obrigatoriedade de convivência. A necessidade desta intervenção estadual foi também reconhecida no âmbito das organizações interna- cionais que emitiram normas vinculativas de direito internacional elaboradas no seu seio, designadamente as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89)l, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obriga- ções do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais, bem como o estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de ali- mentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade. É neste espírito que em 19 de Novembro de 1998 é publicada a Lei n.º 75/98, tendo por objectivo criar um sistema público de garantia de satisfação dos alimentos devidos a menores. Este diploma teve origem num projecto apresentado pelo Partido Comunista Português (Projecto de Lei n.º 340/VII), em 7 de Maio de 1997, no seguimento de anteriores propostas do mesmo partido (Projectos de Lei n.º 473/IV e 160/V). Na introdução a esta proposta, expunham-se os seus motivos: «A Constituição reconhece às famílias o direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

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