TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Do que antecede decorre que a resposta à questão de constitucionalidade sub judicio prende-se com saber se a qualificação do vício decorrente da falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, como nulidade (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, com a consequente imposição ao arguido de suscitar tal vício no prazo previsto no artigo 120.º, n.º 3, alínea c) , do CPP, se traduz numa diminuição inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável, das garantias de defesa. Apesar da dedução de acusação ser apenas uma fase intermédia do processo penal, em que a entidade incumbida da investigação do caso emite um juízo de forte suspeita sobre a prática de um crime, esse juízo, além de delimitar o objecto do processo, é susceptível de causar ao arguido danos morais muito graves, mais não seja o decorrente da publicidade que lhe é inerente, pelo que importa que, previamente à tomada dessa decisão, ele seja ouvido sobre os factos que lhe possam vir a ser imputados. É inegável, pois, que a falta de audição prévia do arguido, nos casos em que ela se revele possível, sobre os factos que lhe são imputados em acusação contra ele dirigida, atenta contra os seus direitos de defesa, uma vez que lhe retira o direito de apresentar a sua versão dos factos em investigação, de se pronunciar sobre as provas já recolhidas e de apre- sentar outras provas, ficando, assim, impossibilitado de influir na decisão de dedução de acusação. Perante tão irrefragável violação dos direitos de defesa do arguido, o sistema processual penal não pode permanecer indiferente, sendo-lhe exigível a previsão de um mecanismo de reacção dotado da eficácia necessária a que o exercício do referido direito de audiência seja assegurado. Na interpretação sustentada pela decisão recorrida, cuja inconstitucionalidade é alegada pelo recorrente, esses casos de omissão do interrogatório como arguido previamente à dedução da acusação, constituirão uma nulidade que deve ser invocada pelo interessado até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até 5 dias, após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, ou seja, neste caso, da dedução da acusação. Ultrapassados estes prazos, a omissão ocorrida encontra-se sanada, deixando de ter qualquer relevância a falta cometida. Estamos, pois, perante a previsão duma nulidade sanável pela falta de arguição pelo interessado num determinado prazo após o seu conhecimento. A qualificação de algumas nulidades como sanáveis e dependentes de arguição, nos termos acima expos tos, justifica-se, em grande medida, por evidentes razões de celeridade e economia processuais. Não pode dei xar de se ter presente o dano que sempre resulta da invalidação de um acto processual, o qual normalmente se comunica aos actos subsequentes, tornando inútil toda uma actividade já desenvolvida. O princípio da con- servação dos actos imperfeitos aconselha a que, relativamente a determinadas situações desconformes com o modelo legal, em que a ponderação dos interesses em jogo o permita, se atribua precariamente ao acto invá- lido os mesmos efeitos que o acto válido, aguardando que essa invalidade possa ser sanada, nomeadamente pelo decurso de um prazo para o interessado a arguir (vide, sobre a relevância destes interesses pragmáticos na definição do regime da nulidade dos actos processuais, Manuel Cavaleiro de Ferreira, em Curso de Processo Penal , vol. I, p. 257 e segs., da edição de 1981, Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, II vol., pp. 88-89, 4.ª edição, da Editorial Verbo, e João Conde Correia, em Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais , pp. 125-126, da edição de 1999, da Coimbra Editora). Tal solução destina- -se também a evitar que o interessado em vez de arguir a nulidade imediatamente após o seu conhecimento, guarde essa possibilidade para momento mais oportuno na sua estratégia processual, numa conduta repro vável, que teria como consequência a inutilização de todo o processado entretanto desenvolvido, muitas vezes no fim de uma prolongada tramitação que dificilmente poderia ser refeita. Este regime das consequências da prática de um acto nulo, por acção ou omissão, dotado de mecanis- mos de destruição atenuados, adapta-se sobretudo a situações de gravidade média em que foram sobretudo afectados interesses jurídico-processuais particulares. E é precisamente nesse âmbito que se situa o vício em questão, uma vez que o mesmo se repercute numa decisão que, apesar de dotada das implicações relevantes acima indicadas, não deixa de ser uma decisão inter média, de cariz provisório, relativamente ao objectivo principal do processo penal, e tem como resultado a
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