TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

168 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tipicidade descrita no n.º 1 do artigo 291.º do CP, à criação do perigo de produção dessas lesões, sem chegar efectivamente a infligi-las. É certo que o preenchimento do tipo de crime por que o arguido foi condenado não exige a ofensa efectiva da integridade física alheia, mas tão somente o perigo concreto de essa ofensa se verificar, sendo que a ocorrência de uma ofensa corporal efectiva não exclui o preenchimento da tal tipicidade. Na verdade, a lesão efectiva de um bem jurídico contém em si, em termos lógicos, a criação de um perigo concreto de lesão desse mesmo bem jurídico. Em conclusão, dir-se-á que a factualidade dada como provada pela sentença impugnada abrange o nexo de causalidade entre a apurada conduta do arguido e a criação de um perigo concreto para a integridade física do con- dutor e de duas das passageiras do veículo de matrícula --------, não se verificando, por isso, a invocada insuficiência da matéria de facto para a decisão, nem, consequentemente, a inconstitucionalidade material, que, na opinião do recorrente, decorreria de uma leitura do tipo criminal do artigo 291.º do CP, que prescindisse da aferição dessa relação de causalidade. […]» Resulta do excerto da decisão recorrida acabado de transcrever que o Tribunal da Relação de Lisboa não interpretou o artigo 291.º, n.º 1, do CP, nos termos enunciados pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade, ou seja, no sentido de ser prescindível, para efeitos da imputação do “resultado- -perigo” exigido pelo citado preceito, a aferição de qualquer nexo de imputação que permita ligar uma acção ou omissão do agente a tal resultado. Pelo contrário, sustentou-se que esse elemento era necessário para o cometimento do crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, do CP, tendo-se julgado que o mesmo resultava da factualidade descrita nos pontos 1 a 12 da matéria de facto considerada provada, porque da mesma se retirava a conclusão que era imputável ao arguido, por interferência do factor álcool, o acidente que tinha provocado lesões corporais a terceiros, integrando este resultado, necessariamente, a existência duma situação de perigo para o bem jurídico integridade física. Entendeu-se que, existindo um nexo de imputação entre uma acção e uma efectiva lesão dos bens jurídicos em causa, necessariamente ocorreu uma situação de perigo concreto como resultado dessa acção, não se prescindindo de modo algum deste elemento do tipo. Verifica-se, pois, que a situação de perigo como resultado da conduta praticada pelo arguido foi apurada pela decisão recorrida em função dos danos provocados pelo acidente provocado por essa conduta, que assim aferiu a existência de um nexo causal entre o comportamento do arguido e o resultado-perigo, elemento do tipo legal de crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, do CP, numa interpretação precisamente contrária àquela que lhe imputa o recorrente. Ora, a fiscalização concreta de constitucionalidade apenas tem lugar a propósito da aplicação jurisdi- cional efectiva de uma norma jurídica cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, assumindo aquela fiscalização, assim, uma função instrumental aferida pela susceptibilidade de repercussão útil no processo concreto de que emerge, não servindo, pois, para dirimir questões meramente académicas. Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não corresponde à ratio decidendi da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o presente recurso de constitucionalidade, quanto a esta questão, não seria dotado de qualquer repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal a quo nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento, face a uma even- tual decisão de inconstitucionalidade por este Tribunal. Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previstos no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC, quanto a esta questão, estando, assim, vedado o respectivo conhecimento nesta parte.

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