TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
161 acórdão n.º 41/11 da defesa ” (itálico nosso). E tem o poder-dever de o fazer, em protecção desse interesse, sempre que o objectivo de uma boa administração da justiça – o único que lhe cumpre perseguir – assim o aconselhar. 7. Tendo em conta o que se disse no número anterior, cremos que, na apreciação da posição processual do Ministério Público, enquanto recorrente, não pode ser directamente chamado à colação o exercício, por parte deste órgão, do direito do acesso ao direito (artigo 20.º da CRP). Este direito fundamental ajusta-se à tutela de posições subjectivadas, radicadas na esfera dos titulares de inte resses particulares que, no quadro do ordenamento jurídico, reclamam do Estado reconhecimento e efectivação, ou medidas de reparação. Por sua natureza, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva dirige-se contra o Estado e contra os seus órgãos de administração da justiça. Estando dentro do aparelho estadual que desempenha essa função, o Ministério Público não pode ser visto como titular activo de um direito exercitável, nesta dimensão, contra os órgãos do poder judicial com os quais colabora. Como se sustenta no Acórdão n.º 530/01: “Pode, desde logo, questionar-se se o direito de acesso à justiça e aos tribunais, como direito fundamental diri gido contra o Estado, não deverá ser considerado um direito que apenas sujeitos privados, e não o próprio Estado – designadamente, entidades nas quais se encabeça o ius puniendi estatal (como é o caso do Ministério Público) –, podem invocar. Seja, porém, como for quanto a esta questão em geral, deve entender-se que o exercício da acção penal pelo Estado (através do Ministério Público) não é protegido pelo direito fundamental de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º da Constituição. ” 8. Mas, dizer isto não significa, de modo algum, apartar a apreciação da conformidade constitucional da inter pretação normativa aplicada pela decisão recorrida dos padrões valorativos que inspiram o artigo 20.º da CRP. Na sua dimensão objectiva, este “é uma norma-princípio estruturante do Estado de direito democrático” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada , 4.ª edição, Coimbra, 2007, 409). Instrumento de defesa dos direitos subjectivamente encabeçados, aquele preceito dá expressão, no seu âmbito nor- mativo próprio, a uma exigência geral de realização e preservação da legalidade democrática. Ora, o exercício da acção penal pelo Ministério Público é também norteado, como vimos, por este verdadeiro pilar da ordem constitucional. “Independentemente da sua subjectivação numa posição jurídica individual”, o acesso à justiça, corporizado, em matéria de recursos, na efectiva disponibilidade, em termos equitativos, de meios processuais indispensáveis ao adequado controlo da conformidade ao direito das decisões tomadas em juízo, é um valor tutelável em si mesmo (cfr. o voto de vencida da Conselheira Maria Fernanda Palma, aposto no Acórdão n.º 530/01). Por detrás do direito fundamental de acesso à justiça está o mesmo princípio geral de realização do direito actuado pelos órgãos estaduais com competência nesta matéria. É em função da plena observância desse princípio e do valor que ele encerra que o Ministério Público tem o poder-dever de interpor recurso, quando entenda que uma decisão judicial não assegura a sua realização. Como se proclama no predito voto de vencida: “O recurso é essencial ao controlo das decisões judiciais num Estado de direito e quaisquer restrições injusti- ficadas afectam essa importantíssima função de controlo da correcta fundamentação das sentenças bem como a inerente preservação da legalidade democrática.”» A privação de eficácia do recurso, efectivamente interposto pelo Ministério Público no prazo adicional de três dias em que o n.º 5 do artigo 145.º do CPC permite que o acto seja ainda praticado, inibe essa enti dade de cumprir em pleno, por via recursória, o papel institucional, que constitucionalmente lhe cabe, de instrumento de realização do direito. E tal acontece quando não foi praticado o acto oficioso de notificação para apresentação da declaração, entendido por nós como devido (em face da interpretação que a considera exigível), se ela não for espontaneamente apresentada, no prazo legal. Notificação essa que, a ser emitida, teria muito provavelmente evitado a omissão a que agora se imputa a intempestividade do recurso. Nas circunstâncias descritas, a interpretação questionada lesa desproporcionadamente a tutela jurisdicio- nal efectiva dos interesses que ao Ministério Público cabe defender, pondo em causa a valência da dimensão
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