TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mas, nesta matéria, se a observância do princípio da igualdade é condição necessária, não é condição suficiente da constitucionalidade da interpretação impugnada. Mesmo estando assegurado o respeito por esse princípio, importa ainda fundamentalmente decidir se os valores e interesses, constitucionalmente pro- tegidos, que inspiram as soluções do artigo 145.º suportam, particularmente tratando-se de um recurso, o critério interpretativo impugnado. Ao acentuar-se que, se o recorrente fosse outro interveniente, “sempre a decisão seria igual”, fica por fundamentar que a interpretação de que ela resulta está, em si mesma, indepen- dentemente da sua aplicação igualitária, em conformidade com outros parâmetros constitucionais aplicáveis. Há que considerar, em segundo lugar, como não pertinente o chamamento à colação de precedentes deci sões deste Tribunal, no sentido da extemporaneidade de recursos de constitucionalidade interpostos fora do prazo, sem que os recorrentes tivessem procedido ao pagamento da respectiva multa nem notificados para o fazer. Importa atentar, na verdade, na competência específica deste Tribunal, em matéria de fiscalização de constitucionalidade, e nos diferenciados planos da sua intervenção, nos presentes autos e naqueles que deram azo àqueles arestos. Nestes últimos, a questão de constitucionalidade que motivara o recurso nada tinha a ver com a agora em juízo. A apresentação do recurso fora do prazo não ofereceu, aí, o objecto do recurso de constitucionalidade, constituindo antes uma ocorrência na tramitação desse recurso. Em face desse dado, o Tribunal limitou-se a entender que “não lhe cabe suprir as omissões das partes ou da secretaria do tribunal recorrido”, o que levou à decisão de extemporaneidade do próprio recurso de constitucionalidade. Com essa decisão, o Tribunal mais não fez do que constatar a sua incompetência para determinar directamente o modo de processar a tramitação dos autos nas instâncias. Não é isso que está em questão, nos presentes autos. A exigibilidade da notificação e as consequências de ela não ter sido efectivada fornece o próprio objecto do recurso de constitucionalidade. Dentro da sua competência própria, cumpre ao Tribunal apreciar, em recurso apresentado em tempo, a solução que foi dada na instância recorrida à alegação de inconstitucionalidade da interpretação seguida, conducente à decisão de intempestividade do recurso apresentado da decisão de 1.ª instância. Uma eventual decisão de inconstitucio- nalidade forçará, é certo, à reformulação, na instância recorrida, dessa decisão – mas essa é a consequência geral do provimento dos recursos de constitucionalidade, representando a incidência, sobre o caso, de uma questão normativa de conformidade constitucional, não uma interferência directa na condução da tramita- ção da causa, com a prática, neste Tribunal, de um acto devido e omitido nas instâncias. 8. Feitas estas necessárias precisões, resta abordar a questão decisiva de saber se se coaduna com a posição constitucionalmente atribuída ao Ministério Público – o tratamento dos recursos de parte está fora do âmbito do objecto da presente questão − a interpretação do n.º 6 do artigo 145.º do CPC que leva a considerar como “inexorável” a intempestividade de um recurso interposto por essa entidade, não tendo sido apresentada, na instância recorrida, declaração de querer recorrer, nem emitida, nessa instância, notificação para esse efeito. É oportuno retomar, neste contexto, considerações expendidas no Acórdão n.º 538/07, a propósito do papel do Ministério Público, em processo penal: «Participante processual de intervenção relevantíssima na tramitação concreta do processo, o Ministério Pú- blico não assume, porém, o papel de parte. É antes um sujeito do processo, que nele actua, no dizer do mesmo Autor [Figueiredo Dias], “como um órgão de administração da justiça com a particular função de, nas palavras do artigo 53.º-1, ‘colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito’” ( ob. cit ., p. 25). Enquanto titular do exercício da acção penal e defensor da legalidade democrática, o Ministério Público deve pautar-se por critérios de estrita legalidade e objectividade (artigo 219.º, n.º 1, da CRP, e artigo 53.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Desempenha um ofício público, para o qual é dotado de poderes funcionais, pelo que a sua posição diferencia-se notoriamente da dos titulares de direitos subjectivos, em tutela de interesses próprios. Que assim é, prova-o eloquentemente, em matéria de recursos, o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 53.º do Código de Processo Penal (CPP). Aí se lhe atribui competência para “interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse
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