TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011
154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. A decisão recorrida não invoca qualquer norma legal ou motivo racional que suporte a conclusão de que “não lhe cabe a si eventuais omissões na tramitação do processo perante as instâncias recorridas” (fls. 1432). 9. O argumento de analogia, tirado do precedente jurisprudencial (fls. 1432, nota 7), assenta na identidade dos casos comparados, mas tal não é o que aqui ocorre, pois os casos tratados nos arestos invocados não são idênticos. Com efeito, aqueles respeitam a ocorrências em que no tribunal a quo se suscitou a questão da falta do pagamento da multa devida e, já neste, tal não sucedeu. 10. Não há precedente jurisprudencial sobre a precisa questão de constitucionalidade em exame, embora o Tribunal Constitucional já tenha emitido pronúncia sobre uma questão de contexto idêntico, onde é feito um enquadramento da questão plenamente válido para o nosso caso. 11. Ali se recorda, que o Ministério Público é um sujeito processual determinante na tramitação concreta do processo, onde actua como “órgão de administração da justiça”, “colabora[ndo] com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as suas intervenções a critérios de estrita legalidade” e tendo como um das suas incumbências, precisamente, a de “Interpor recursos (…)”. 12. Depois, com a contada excepção dos “crimes particulares”, o Ministério Público está investido do exclusivo do exercício da acção penal, pelo que, qualquer impedimento ao legal exercício deste dever de ofício, ainda que por via de recurso jurisdicional, priva de tutela penal os superiores interesses, sociais e individuais, que a lei, assim, quis proteger. 13. Finalmente, cumpre relembrar, com o dito aresto, que “essa medida visa evitar o efeito definitivamente preclusivo da não observância de um prazo, com o possível sacrifício irremediável de uma posição juridicamente tutelável. É para obviar a essa consequência desproporcionadamente gravosa de uma falha muitas vezes compreen- sível, ainda que não integrável no conceito de “justo impedimento”, que a lei concede um prazo suplementar, de curta duração, para a prática do acto.” 14. Assim sendo, a “interpretação normativa”, materializada no acórdão recorrido, infringe, de modo plúrimo, as normas e princípios constitucionais relevantes no caso. 15. Por uma parte, não está motivada de direito, violando, assim, a obrigação de fundamentar, na forma pre- vista na lei, as decisões dos tribunais (CRP, artigo 205.º, n.º 1, e CPP, artigo 97.º, n.º 5). 16. Mais obsta à administração da justiça penal, substantiva, pois, sem motivo justificado, sobrepõe estritos motivos adjectivos ao exercício legítimo e tempestivo da acção penal pelo Ministério Público, em sede de recurso. Impede, ainda, a discussão, pelos sujeitos processuais, e a apreciação e decisão, pelo tribunal a quo , de uma “questão nova”, sendo certo que a solução perfilhada não é necessária, pois há outras medidas judiciais, que permitem regular o caso de conformidade com a lei e que são tendencialmente idóneas a promover a função própria dos tribu nais, enquanto órgãos de soberania que administram justiça em nome do povo (CRP, artigo 202.º, n. os 1 e 2). Por tais motivos, a decisão recorrida infringe o princípio do “Estado de direito” e da “proporcionalidade” que lhe é inerente e, bem assim, o “direito ao processo”, ao “processo equitativo” e os princípios da tutela jurisdicional efectiva (através das inerentes máximas pro actione e favor actione ) e, finalmente, impede o exercício legítimo da acção penal pública pelo Ministério Público, em sede de recurso (CRP, artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n. os 1 e 4, 202.º, n. os 1 e 2, e 219.º, n.º 1). Nestes termos, no entender deste Ministério Público, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, assim, revogada a decisão recorrida para ser reformada quanto à questão de constitucionalidade, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade da “interpretação normativa” ali perfilhada.» 4. O recorrido A. contra-alegou como se segue: «1. O recurso interposto pelo Ministério Público visa a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 145.°, n.°6 do CPC na interpretação que lhe foi dada nos Acórdãos supra referidos “por violação do princípio do trata- mento igual ou da “igualdade de armas” consagrado nos artigos 2.°, 20.°, n.° 4, e 219.°, n.° 1, da CRP no sentido de não impor ou sequer permitir a notificação do Ministério Público para que, sempre no “plano simbólico”, proceda a qualquer prática equivalente ao pagamento da multa prevista em tal n.° 6 por quem, não isento de tal pagamento, se esqueceu da respectiva autoliquidação ao abrigo do n.° 5 do mesmo preceito”.
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