TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

118 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da coima não depende da avaliação, em concreto, do grau de culpa do responsável e das circunstâncias específicas que rodearam a sua actuação. Assim posta, a questão apresenta fortes atinências, quanto à valoração que suscita, com a da admissibilidade de sanções fixas, uma vez que, tal como nestas, deparamos com a insusceptibilidade de individualização, pelo julgador, da sanção a aplicar ao revertido. O tema tem sido objecto de numerosas pronúncias deste Tribunal, justificando-se dedicar alguma atenção reflexiva à linha de orientação que tem prevalecido. Em matéria criminal, tem sido constante e reiterado um juízo de proibição constitucional de penas fixas, em resultado da aplicação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade (cfr. os Acórdãos n. os 202/00, 203/00, 95/01, 70/02, 485/02 e 124/04). Pode ler-se, por exemplo, neste último aresto: “(…) O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de direito, proíbe – já se disse – que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa. (…) Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência. A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele. Ora isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo igual situações que só aparen­ temente são iguais, por, essencialmente, acabarem por ser muito diferentes. (…) A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado a aplicar uma pena exces- siva para a gravidade da infracção, assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções criminais seja proporcionada à gravidade das infracções. Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há-de observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da proporcionalidade”. Mas o Tribunal também tem vincado, com clareza, que as razões contrárias à admissibilidade da cominação de penas fixas para ilícitos de natureza criminal «não são transponíveis, sem mais, para a apreciação da conformidade constitucional das penas pecuniárias fixas estabelecidas nos restantes espaços sancionatórios» (Acórdão n.º 344/07). Desenvolvendo essa ideia, escreveu-se neste aresto, a propósito de uma multa fixa, em caso de utilização de transporte colectivo de passageiros sem título válido: “Deste modo, não pondo em dúvida que os princípios da proporcionalidade e da igualdade e mesmo o princípio da culpa também vinculem o legislador na configuração dos ilícitos contravencionais (como nos de contra-ordenação) e respectivas sanções (…) é diferente o limite que deles decorre para a discricionariedade legis- lativa na definição do que o legislador pode assumir e o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da situação. Designadamente, não ocorre aqui colisão com nenhum dos preceitos constitucionais em que se funda a violação do princípio da culpa, que é o nuclear na fundamentação da referida jurisprudência do Tribunal a propósito da ile- gitimidade constitucional de penas criminais fixas. Na verdade, não está em causa minimamente o direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1) porque a multa contravencional, diversamente da multa criminal, não tem prisão sucedânea. E só de modo muito remoto – e nunca por causa da sua invariabilidade – uma sanção estritamente pecuniária, num ilícito sem qualquer efeito jurídico estigmatizante, pode contender com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), que é de onde o Tribunal tem deduzido o princípio da culpa na ‘Constituição criminal’.

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