TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na responsabilidade contra-ordenacional, a vinculação ao pagamento de uma importância monetária, a título de coima, tem carácter instrumental da realização de fins de outra natureza, de reafirmação da ordem de condutas desrespeitada, de sanção ao agente por se ter desviado dos deveres decorrentes do exercício de determinada acti­ vidade social e de dissuasão de práticas futuras contra-ordenacionais. A sua função é puramente sancionatória e preventiva. Já a responsabilidade civil visa a reposição de um equilíbrio patrimonial afectado por um facto danoso. Através da efectivação do crédito indemnizatório, ingressa na esfera do lesado, à custa do lesante, um valor correspondente à perda ou frustração de ganho, assim se eliminando o dano s ofrido. A transferência patrimonial, em si mesma, satisfaz a finalidade primária da responsabilidade civil: a reparação de um dano. Dados os distintos fundamentos e fins dos dois sistemas de responsabilidade, é problemático ver no não paga- mento da coima um prejuízo patrimonial configurável como um dano de natureza civil, indemnizável ao abrigo da correspondente responsabilidade. Se o fim da coima não era a obtenção de uma receita (mas a imposição de um sacrifício económico, com fins repressivos e preventivos), dificilmente se pode considerar que o não pagamento (ainda que associado a outros factores) gera um dano enquadrável, como um dos seus pressupostos, na responsabilidade civil. Contra essa visão patrimonialista da responsabilidade contra-ordenacional se pronunciou João Matos Viana (“A inconstitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelas coima aplicadas à sociedade. Comentário ao Acórdão do STA, de 4 de Fevereiro (processo n.º 0829/08) e ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 129/2009, de 12 de Março”, in Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano II (2009), pp. 199 e segs. 206), em termos que, a nosso ver, não merecem contestação: “Ainda que o produto da coima, actualmente, possa assumir uma importância relevante nos orçamentos das autoridades administrativas (o que é legítimo e tem cobertura legal), a ‘coima’, enquanto figura jurídico-sancio- natória (enquanto figura repressiva), com finalidades de advertência social, legitimada pela censura de uma culpa funcional, deve estar desligada da lógica economicista da mera garantia de obtenção de receita”. Em suma: não pode haver responsabilidade civil onde não estejam presentes todos os pressupostos que lhe dão nascença, designadamente o dano, cuja reparação constitui a razão de ser e a finalidade primária da figura. Não satisfaz esse requisito, em nosso juízo, e não obstante a qualificação legal, o regime aqui presente. 12. O fenómeno da responsabilidade civil conexa à criminal, de verificação corrente, não infirma, antes con- firma, o que acaba de ser dito. Na verdade, essa situação distingue-se bem da aqui em análise. A responsabilidade civil conexa à criminal configura-se como uma cumulação de responsabilidades, derivada da circunstância de o mesmo facto lesar um bem jurídico-criminalmente tutelado e um bem protegido pelas nor- mas de imputação da responsabilidade civil. Sendo assim, só pela activação simultânea de ambas as responsabili- dades se satisfazem os valores e os interesses que fundam cada uma delas. Na responsabilidade, dita civil, que recai sobre os administradores e gerentes por lhes ser imputável uma situa- ção de insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, causadora do não pagamento de uma coima em que esta fora condenada, o mecanismo da responsabilidade surge, inicialmente, pela lesão de um único bem, que desencadeia a aplicação da coima, no quadro da responsabilidade contra-ordenacional. Em caso de pagamento da coima, nesta se esgota a reacção à infracção cometida, com satisfação plena das razões que a justificam. É em face do incumpri- mento daquele dever e da constatação da inviabilidade da sua execução forçada que a Administração, ainda que lançando mão de uma imputação distinta da que servira de base à responsabilização da pessoa colectiva, vincula os administradores a um débito de responsabilidade, tendo por objecto o valor patrimonial da coima não paga. Isto é, a responsabilidade, ainda que qualificada como civil, não nasce autonomamente, à partida, pela veri- ficação simultânea dos seus pressupostos conjuntamente como os da responsabilidade contra-ordenacional. Está umbilicalmente ligada a esta, só surgindo sequencialmente, a título subsidiário, em razão da impossibilidade de satisfação, pelo património do devedor originário, da coima em que a responsabilidade contra-ordenacional se traduz. Não é em consequência do mesmo facto primário de responsabilização, de projecção lesiva bifrontal, tanto no plano da responsabilidade contra-ordenacional, como no da responsabilidade civil, que esta nasce. É antes a

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