TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

113 acórdão n.º 26/11 10. Em face deste resultado, está naturalmente criada uma forte aparência de um fenómeno de transmis- sibilidade da responsabilidade pelo pagamento da coima. Por detrás do “biombo” da responsabilidade dos admi­ nistradores pela insuficiência do património da pessoa colectiva, estaria a assunção, por aqueles, da posição de responsabilidade que a esta cabia, na relação com a Administração. E convém frisar que a formulação do enunciado da norma em análise não rejeita, antes permite sustentar esta construção. Na verdade, o que nele se diz é que os administradores e equiparados “são subsidiariamente respon- sáveis […] nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas […]”. Isto é, em caso de insuficiên- cia do património das pessoas colectivas, por eles culposamente causada, os administradores passam a figurar como sujeitos passivos nas relações de crédito que têm as multas e coimas por objecto, com a responsabilidade inerente. O texto do artigo 8.º da RGIT, que sucedeu à norma em análise, sugere igualmente esta leitura do alcance da responsabilização que se faz recair sobre administradores e gerentes. Quer na epígrafe, quer em várias das suas nor- mas, o que se estabelece é directamente a responsabilidade civil por multas ou coimas, sem a mediação de qualquer outro débito, de outra natureza e objecto. E a colocação da obrigação no plano da responsabilidade não introduz qualquer quebra de nexo com o dever de pagar a coima, tendo por efeito a pretendida deslocação do regime para um terreno puramente civilístico de repa- ração de danos. Ela justifica-se apenas em atenção à fase de desenvolvimento da relação em que se situa o chama- mento dos administradores. Já estamos num momento de exercício da acção creditória e de execução forçada, consequente à falta de cumprimento pelo devedor primitivo. Já se constatou que este não pagou, nem pode pagar, por insuficiência de meios. A posição debitória assumida pelos administradores configura-se então necessariamente como de responsabilidade – entenda-se, de responsabilidade patrimonial, a que cabe a qualquer devedor numa relação jurídica, traduzida na sujeitabilidade dos seus bens à execução. Nesta construção, é no quadro unitário da relação que nasce com a imposição da coima que se inscreve a responsabilidade dos administradores. Com o não cumprimento do dever de a pagar não surge uma nova relação creditória (como aconteceria se estivéssemos perante uma responsabilidade extracontratual), tendo os administra- dores por sujeitos passivos. O vínculo de responsabilidade acompanha e garante, em estado de latência, a obrigação de pagar a coima, desde o seu início. O incumprimento dessa obrigação apenas activa essa responsabilidade, dando título à execução do património do devedor (pessoa colectiva). A insuficiência do património deste, quando impu- tável aos administradores, legitima, por sua vez, o seu chamamento à responsabilidade, dando-se continuidade ao processo, através do mecanismo da reversão. E o regime processual correspondente a esta figura reforça a nota de que estamos perante uma efectivação da responsabilidade indissociavelmente ligada ao dever de pagar a coima. Não se exige a formação de novo título executivo, com base no vínculo que estrutura uma outra relação, autónoma em face da relação tributária de que emergiu aquele dever. É o mesmo título, aquele de que consta a obrigação (incumprida) de pagar a coima, que continua a ser processado, fundando a agressão do património dos administradores. A causação, a estes imputável, da insuficiência patrimonial da pessoa colectiva é apenas uma condição (no sentido preciso de facto sem o qual um determinado efeito se não produz) adicionalmente requerida para que tenha lugar a assunção, pelos administra- dores, da responsabilidade que não foi possível efectivar contra a pessoa colectiva. 11. Acresce que, a admitir-se que a mudança dos sujeitos responsáveis vem acompanhada por uma mudança da natureza da responsabilidade, então também é forçoso admitir que não são atingidos os fins que justificam a imposição da coima. De facto, e ainda que similares quanto à estrutura e objecto, os dois vínculos divergem, nesta óptica, quanto à função, não podendo, por falta de homologia funcional, a responsabilidade dos administradores substituir-se à da pessoa colectiva, “fazer as vezes” desta, como um mecanismo subrogatório da que se traduz, a título sancionatório, no pagamento da coima. Responsabilidade contra-ordenacional e responsabilidade civil não são sobreponíveis, preenchem distintos espaços de imputação de condutas lesivas de valores juridicamente tutelados, resultam de ilícitos de natureza dis- tinta, pelo que a responsabilidade civil não pode ser actuada subsidiariamente, em consequência da frustração da responsabilidade contra-ordenacional, para satisfazer, por via indirecta, os fins próprios desta.

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