TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da violação de uma obrigação tributária; uma outra, consistente num vínculo de responsabilidade, activado em caso de incumprimento daquele dever, por força da insuficiência do património do devedor, culposamente causada pelo administrador responsável. À dualidade de sujeitos corresponderia uma dualidade de relações obrigacionais, sendo que uma se constitui como eventual sucedâneo da outra, pois o seu nascimento está condicionado à verifica- ção, em processo executivo, da impossibilidade, imputável a uma conduta faltosa do administrador, de realização coerciva do débito que recai sobre a pessoa colectiva acoimada. A interposição do conceito de dano marca a linha de diferenciação entre as duas relações. A ele se chega por um percurso de causalidade em cadeia: o não pagamento da coima é devido a insuficiência do património e este é causado por actuação culposa do administrador. Sobre este recai então o dever de indemnizar as consequências danosas desta conduta, traduzidas na não percepção, pela Administração, da importância monetária devida a título de coima. A efectivação da responsabilidade dos administradores remove esse dano, na medida em que faz entrar nos cofres do Tesouro o que este auferiria com o cumprimento do dever de pagar a coima. Nesta visão dual, de diferenciação dos factos constitutivos e de títulos de chamamento à responsabilidade dos dois sujeitos sucessivamente obrigados, não há lugar para a aceitação da ocorrência de um fenómeno de trans- missão, já que este pressupõe, no rigor dos termos, uma modificação subjectiva, uma sucessão na titularidade de um direito ou de uma obrigação, no âmbito de uma relação que não perde, por isso, a sua identidade. 9. A qualificação da responsabilidade dos administradores como civil permite, pois, resolver facilmente, em sentido negativo, a questão da ocorrência de um fenómeno de transmissão, na medida em que acentua e estabelece com nitidez máxima a diferenciação das situações debitórias da pessoa colectiva que cometeu a infracção e a dos administradores que podem ser chamados a responder: enquanto que a responsabilidade da pessoa colectiva é de cariz sancionatório, a dos administradores configura-se como puramente civilística, com função e natureza res- sarcitórias. Mas esta construção interpretativa da solução estatuída no artigo 7.º-A da RJIFNA, à luz da qualificação constante da epígrafe, não é incontroversa, podendo legitimamente questionar-se a adequação dessa qualificação à substância real do mecanismo de substituição debitória consagrado no corpo do preceito. Na verdade, a dissociação total entre responsabilidade pela violação do dever tributário e responsabilidade pelo não pagamento do montante sancionatório correspondente parece algo artificial e de sentido precário, desmem- brando uma posição subjectiva que forma uma unidade conceptual e vital – Nuno Brandão, pronunciando-se sobre o lugar paralelo do artigo 11.º, n.º 9, do Código Penal (responsabilidade subsidiária dos administradores pelo pagamento de multas e indemnizações em que a pessoa colectiva for condenada), não poupa palavras críticas, considerando que “esta distinção não é aceitável e constitui uma autêntica burla de etiquetas, ao travestir de res­ ponsabilidade pelo cumprimento da sanção aquilo que na realidade é uma autêntica transmissão da responsabili- dade penal, ainda que operada por via legal” (“O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do Código Penal”, in Direito penal económico e europeu: textos doutrinários, III, Coimbra, 2009, pp. 461 e segs. 469). Na realidade dos efeitos prático-jurídicos, o Estado vai conseguir, por via indirecta, através do património de sujeitos não vinculados pela obrigação que, em termos sancionatórios, a coima consubstancia, a cobrança do débito correspondente. Chamando à colação o incumprimento de deveres funcionais perante um outro credor (a pessoa colectiva), a Administração Tributária, apoiando-se numa justificação de causalidade indirecta ou conse- quencial, para imputação de responsabilidade a um sujeito alheio à relação que dera origem à coima, vai obter o mesmo que obteria no caso de a prestação desta ser cumprida pela pessoa colectiva vinculada ao seu pagamento ou coercitivamente obtida à custa do seu património. “Forçando” a relatividade estrutural das relações de crédito, a Administração credora vai buscar ao modo como se desenrolou uma outra relação de que não é parte a justificação causal para a satisfação do seu crédito por um terceiro, parte passiva nessa outra relação. Dever de prestar e dever de indemnizar confundem-se aqui, tanto mais que estamos perante uma obrigação pecuniária, susceptível, por natureza, de execução específica. Através do chamamento à responsabilidade dos admi­ nistradores, o Estado faz valer a coercibilidade do direito insatisfeito à prestação da coima, removendo, desse modo, o facto antijurídico que o seu incumprimento representa e realizando, em pleno e em espécie, o seu interesse creditório.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=