TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

105 acórdão n.º 25/11 Diversamente de outros casos, decididos pelo Tribunal Constitucional, não há aqui uma conexão neces- sariamente relevante entre o crime praticado e a actividade sob licenciamento. A presente situação é, assim, diferente da decidida no Acórdão n.º 461/00 (secundado pelos Acórdãos n. os 574/00 e 45/01), em que estava em causa a caducidade da licença de condução provisória em conse- quência da condenação na pena de proibição de conduzir ou na sanção de inibição de conduzir. Para o juízo de não inconstitucionalidade formulado neste Acórdão, foi relevante não apenas a natureza provisória da licença, mas também a constatação de que «não há qualquer não razoabilidade ou falta de proporcionalidade em prever que a não instauração de procedimento por infracção de trânsito seja condição de uma decisão de licenciamento definitivo ou que a caducidade de uma licença provisória se verifique quando haja uma condenação em inibição de conduzir.» Também nos Acórdãos n. os 291/95, 53/97, 149/01, 79/09 e 363/10, que julgaram não inconstitucio- nais normas que estabelecem a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir associada à prática de certos crimes, se salientou a conexão entre a conduta geradora da responsabilidade criminal e a sanção de inibição de conduzir. A interpretação normativa sub judicio prevê a revogação/cassação da licença para o exercício da activi- dade de guarda-nocturno como um “efeito” decorrente da condenação por qualquer crime doloso, pelo que essa condenação não revela, só por si, a demonstração ou comprovação da falta dos requisitos necessários para o exercício da actividade de guarda-nocturno. Ainda a respeito da qualificação desta situação como “efeito automático” cumpre salientar as diferenças entre a presente situação e aquela que foi tratada no Acórdão n.º 422/01, que decidiu não julgar inconsti- tucional a norma do artigo 21.º, n.º 5, da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, que determina a caducidade da carta de caçador. Lê-se neste aresto: «O agente que vê a sua carta caducar é recolocado na situação em que qualquer cidadão não titular de carta se encontra, podendo, por essa via, requerer a obtenção de uma nova carta. Esta medida não se configura, fun- damentalmente, como sanção penal não tendo de ser articulada com a culpa do agente ou com a gravidade do evento. Com efeito, ela descreve apenas a alteração das circunstâncias em que foi decidida a concessão da licença. A circunstância de se tratar de uma infracção criminal é suficientemente grave para justificar, na perspectiva do legislador, a reapreciação da situação do agente enquanto titular da carta de caçador, uma vez que tal actividade só deve ser exercida por sujeitos que demonstrem uma específica formação e aptidão, por estar em causa a protecção de valores ambientais com dignidade constitucional. Assim, a condenação pelo crime de caça constitui uma verda- deira condição resolutiva da validade da carta (…)». Diversamente, no caso em apreço, aquele que vê revogada a licença para o exercício da actividade de guarda-nocturno é simultaneamente colocado numa situação de não preenchimento dos requisitos de admissãoa um novo concurso para a atribuição dessa mesma licença, pois falta-lhe o requisito de «não ter sido condenado, com sentença transitada em julgado, pela prática de um crime doloso» [alínea e ) do n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento]. Embora referindo-se apenas à “duração” dos efeitos automaticamente associados a um crime, Damião da Cunha in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 686-687, salienta que «não é pelo facto de o legislador associar a um crime (ou a uma pena) de alguma gravidade um “efeito” que atinja estes direitos [os direitos civis, profissionais ou políticos], que fica violada um qualquer princípio constitucional, desde que seja sempre respeitado o princípio da pro- porcionalidade, tanto em abstracto, como em concreto, por exemplo, através da determinação, por moldura legal, do tempo de privação do direito ou, então, através da previsão de uma cláusula de salvaguarda por “manifesta desproporção”».

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