TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A proibição de perda automática de “direitos profissionais” constante do artigo 30.º, n.º 4, da CRP, não se restringe à perda de direitos no contexto de uma determinada carreira profissional, mas abrange também, além do mais, os direitos de escolha e exercício de profissão, assegurados pelo artigo 47.º da Constituição. Neste sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, nomeadamente, nos Acórdãos n.º 154/04 e 239/08 (no mesmo sentido vide Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit. , p. 505). No Acórdão n.º 154/04 (que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma que estabelecia as condições de acesso e de exercício da profissão de motorista de táxi), estava em causa uma norma que impedia quem tivesse sido condenado em pena de prisão efectiva igual ou superior a três anos, salvo reabilitação, de exercer a actividade de motorista de táxi, e concluiu-se que essa norma tinha como efeito «a perda das liberdades de escolher e de exercer esta profissão de motorista de táxi», ou seja, a perda de um direito profissional, proibida pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. E no Acórdão n.º 239/08, o Tribunal também declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucio- nalidade da norma que não permitia que uma pessoa condenada pela prática de qualquer crime doloso se candidate a agente da Polícia Marítima, com fundamento em que constituía «uma interdição ao exercício do direito constitucional de acesso a uma determinada profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP), como consequên- cia da existência de uma condenação penal anterior, sem qualquer ponderação da adequação e da necessidade de aplicação de tal medida de interdição, o que contraria a proibição contida no artigo 30.º, n.º 4, da CRP». No caso em apreço, estamos igualmente perante uma interdição de exercício de uma actividade profis- sional, a de guarda-nocturno. De facto, a condenação pela prática de um qualquer crime doloso não tem apenas por efeito a “revogação” da licença atribuída, mas também a “impossibilidade” legal (por falta dos requisitos necessários) de se candidatar a nova licença (impossibilidade que subsiste por tempo indeterminado, uma vez que as normas não estipulam qualquer prazo para a eventual irrelevância de condenações passadas). Conclui-se, assim, que as normas em causa implicam a perda da liberdade de escolher e de exercer a actividade de guarda-nocturno (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição), ou seja, a perda de um “direito profis- sional”, abrangido pela proibição do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição. 9. Importa agora saber se a revogação/cassação daquela licença que, como vimos, integra o conceito de “perda de um direito profissional”, constitui um “efeito automático” da condenação pela prática de um crime doloso. O tribunal recorrido partiu desse pressuposto para recusar a aplicação das normas dos artigos 9.º, n.º 1, alínea e ), e 25.º do Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e da Fiscalização da Actividade de Guarda-Nocturno, com fundamento em inconstitucionalidade. As normas questionadas encaram a sentença condenatória (transitada em julgado) como um facto e associam-lhe imperativamente a sanção de revogação da licença para o exercício da actividade profissional de guarda-nocturno. A revogação da licença é um efeito imposto por norma regulamentar, que não deixa qual- quer margem de apreciação à entidade administrativa para poder avaliar as circunstâncias do caso concreto e emitir um juízo sobre a idoneidade daquela condenação para fundamentar tal revogação. Como bem salienta o Ministério Público, o automatismo da revogação da licença não é contrariado pelo facto de a decisão de revogação ser proferida no âmbito de um procedimento administrativo. Pois, apesar de nesse procedimento estarem asseguradas, formalmente, as garantias de defesa do administrado (em cumpri- mento do disposto no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo, como aconteceu no caso vertente), o certo é que a decisão a proferir se limitará (como aqui se limitou) a constatar o facto – a condenação por crime doloso – e a determinar a consequente revogação da licença. Uma vez documentada a condenação por crime doloso e o respectivo trânsito em julgado, nada mais resta à entidade administrativa a não ser deter­ minar a revogação da licença em cumprimento das citadas normas regulamentares. Assim, a interpretação nor- mativa questionada associa, de forma imediata, a verificação do “facto” à respectiva consequência e impõe uma única decisão possível, não deixando margem para a mediação de um juízo da autoridade administrativa sobre a idoneidade daquela condenação para fundamentar a revogação da licença atribuída.

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