TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

103 acórdão n.º 25/11 Como já se escreveu no Acórdão n.º 368/08, esta norma constitucional «visa salvaguardar que qualquer sanção penalizadora da conduta punida, independentemente da sua natureza e medida, resulte da concreta apreciação, pela instância decisória, do desvalor dessa conduta, por confronto com os padrões normativos aplicáveis. O que se proíbe é a automática imposição de uma sanção, como efeito mecanicisticamente as- sociado à pena ou por esta produzido, sem a mediação de qualquer juízo, em concreto, de ponderação e valoração da sua justificação e adequação, tendo em conta o contexto do caso. E a proibição é necessária para garantia de efectivação de princípios fundamentais de politica criminal (…)». Ou seja, como se sustentou no Acórdão n.º 284/89: «(…) com tal preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis , efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, mera- mente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana». A proibição dos efeitos necessários das “penas” estende-se, por identidade de razão, aos efeitos automáticos ligados à “condenação” pela prática de certos crimes (vide, neste sentido, Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , I, Coimbra, 2007, p. 505). E é aplicável não apenas no âmbito do ilícito penal, mas também no âmbito do ilícito administrativo, nomeadamente, quando estejam em causa efeitos de ilícitos disciplinares (cfr., por todos, o Acórdão n.º 562/03 e a resenha jurisprudencial nele constante). 8. No caso em apreço, situamo-nos no âmbito do ilícito penal, uma vez que vem questionada a perda da licença para o exercício da actividade de guarda-nocturno como efeito da condenação pela prática de um crime doloso. Importa, em primeiro lugar, averiguar se a perda desta licença equivale à perda de “direitos civis, profis- sionais ou políticos” e, como tal, se inclui no âmbito da proibição do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. A actividade de guarda-nocturno só pode ser exercida mediante a atribuição de uma licença, que é válida por um ano e cuja renovação depende do preenchimento de um conjunto de requisitos (cfr. artigo 14.º do Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e da Fiscalização da Actividade de Guarda- -Nocturno). Mas esta actividade, embora careça de licenciamento para ser exercida, não deixa de ter a natureza de uma actividade profissional remunerada, que consiste na «ronda e vigia, por conta dos respectivos mora­ dores, dos arruamentos da respectiva área de actuação, protegendo as pessoas e bens» (cfr. artigos 16.º, n.º 1, e 17.º do Regulamento) Pronunciando-se sempre num contexto de “carreira militar”, o Tribunal Constitucional tem entendido que integram o conceito de “perda de direitos profissionais”, para efeito do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição (CRP), as situações de “demissão” (cfr. Acórdão n.º 165/86 que, na sequência dos Acórdãos n. os 16/84 e 127/84, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma do Código de Justiça Militar de 1977, que impunha a demissão de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente como efeito necessário da sua condenação pelos crimes aí referidos); de “baixa de posto” (Acórdão n.º 255/87, que julgou inconstitucional norma do Código de Justiça Militar, que impõe a baixa de posto dos oficiais ou sargentos que pertençam ao quadro de complemento como consequência da condenação por determinados crimes); e de “entraves à progressão na carreira” (Acórdão n.º 562/03, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, que impedia a promoção a determinado posto, como consequência automática da aplicação de determinadas sanções disciplinares).

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