TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 80.º Volume \ 2011

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se igualmente pela inconstitucionalidade daquela interpretação normativa, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Consti­ tuição, pelas seguintes razões principais: i) A revogação e a cassação da licença de guarda-nocturno ficaram a dever-se exclusivamente ao facto de o seu titular ter sido condenado pela prática de um crime de dano, surgindo assim, como efeito automático de tal condenação; ii) Apesar do carácter precário da licença, que é renovável anualmente e pode ser revogada a todo o tempo, deve concluir-se que estamos perante a perda de um “direito profissional”, pois o interes- sado vem exercendo a actividade de guarda-nocturno há, pelo menos, vinte e quatro anos (desde 1986, tendo-lhe sido atribuída a licença em causa em 2002); iii) A natureza “para-policial” da actividade em causa, que inclusivamente implica o uso e porte de arma de fogo (artigo 20.º do citado Regulamento), embora possa determinar maiores exigências na concessão e renovação da licença, não afasta as razões da inconstitucionalidade, à semelhança do que o Tribunal decidiu no Acórdão n.º 239/08 que declarou inconstitucional, com força obri­ gatória geral, a norma que não permitia que uma pessoa condenada pela prática de qualquer crime doloso se candidatasse a agente da Polícia Marítima, por incompatibilidade com o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição; iv) As condições de acesso a uma profissão implicam restrições à liberdade de escolha e de exercício de profissão, enquanto que a “saída” dessa profissão pode pôr em causa o próprio direito ao trabalho, sendo, nesse caso, mais gravosas as respectivas consequências. Por isso, os requisitos de ingresso numa profissão e os de permanência nessa mesma profissão não têm de ser definidos nos mesmos moldes, sendo disso exemplo o disposto no artigo 66.º do Código Penal (que prevê a pena acessória de proibição do exercício de funções em consequência da prática de um crime – incluído no ca- tálogo de crimes que teriam excluído a admissão ao exercício de funções públicas, mas praticado durante o exercício dessas funções – apenas quando exista uma relação relevante entre o referido crime e as funções em causa); v) No caso em apreço, o crime de dano pelo qual foi condenado o interessado foi cometido no âmbito de uma relação de (má) vizinhança, nada tendo a ver com a actividade profissional de guarda- -nocturno; vi) Não obstante a decisão de revogação e cassação da licença de guarda-nocturno ter sido praticada no âmbito de um procedimento administrativo, onde o interessado foi ouvido, tal decisão e a conse- quente “perda do direito” têm natureza automática, pois teve como fundamento, exclusivamente, o facto de o interessado ter cometido o crime de dano, sem qualquer ponderação das circunstâncias concretas; vii) Ainda que assim não fosse, o certo é que a decisão recorrida interpretou as normas em causa como “constituindo um efeito automático”, sendo esta interpretação um dado adquirido para o Tribunal Constitucional, em sede de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade. O recorrido Município de Lisboa pugnou pela constitucionalidade das normas em causa, em síntese, porque a actividade de guarda-nocturno não constitui um “direito” de qualquer cidadão, mas antes uma actividade condicionada à prévia titularidade de uma autorização de carácter administrativo; e que a con- denação pela prática de crime doloso é, só por si, susceptível de indiciar a falta do requisito de idoneidade para ser titular dessa licença. Conclui que as normas em apreço não contrariam a proibição do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, à semelhança do decidido no Acórdão n.º 243/07 deste Tribunal Constitucional, a propósito da obtenção (ou renovação) das licenças de uso e porte de arma. 7. O artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, estabelece que «[N]enhuma pena envolve como efeito neces­ sário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».

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