TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
98 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, sendo bem diversos, num caso e noutro (ou seja: no caso de criação de mais um escalão de IRS e no caso de aumento generalizado de todas as suas taxas) os universos das pessoas afectadas e a intensidade da afectação, diverso terá que ser, no meu entendimento, o juízo sobre cada uma das medidas legislativas. – Maria Lúcia Amaral . DECLARAÇÃO DE VOTO Dissenti do aresto que fez vencimento pela seguinte ordem de razões: 1. Após a revisão constitucional de 1997 e a consequente introdução do artigo 103.º, n.º 3 – irretroac tividade da lei fiscal –, a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem entendendo que o princípio da não retroactividade assume uma dimensão categórica. Diz-se no Acórdão n.º 128/09: “Ao textualizar a proibição de normas fiscais retroactivas, a Constituição conferiu uma especial corporização ao princípio, corporização essa, que se traduz na necessária ausência de ponderações sempre que ocorram casos (de leis tributárias) que sejam retroactivas em sentido próprio ou autêntico. Nesses casos (…) não há lugar a ponderações: a norma retroactiva é, por força do n.º 3 do artigo 103.º, inconstitucional”. Isto significa, ainda segundo o mesmo Acórdão, que o princípio da não retroactividade deixa de se poder consumir totalmente em princípios de maior abrangência como a protecção da confiança e a proporcionalidade. Ele ganha “autonomia normativa” e aplica-se, de forma ampla, a todas as normas fiscais que penalizem os contribuintes, sejam elas relativas a impostos ordinários ou extraordinários, periódicos ou sobre factos ins tantâneos, refiram-se eles à definição do facto tributário ou à determinação do montante do imposto através de taxas, escalões ou deduções. As normas fiscais que agravem a situação dos contribuintes não se podem aplicar a factos passados. No dizer de Gomes Canotilho ( Direito Constitucional …, 7.ª edição, p. 261): “Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (…) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco tempo- ral (data) anterior à data da sua entrada em vigor. (…) Fala-se em retroactividade em sentido restrito (…) Haverá uma retroactividade autêntica quando uma lei fiscal publicada em Dezembro retroage os seus efeitos a 1 de Janeiro do mesmo ano.” Também Paz Ferreira defende a tese de merecer a censura constitucional fazer retroagir as normas fiscais ao início do ano em que são aprovadas. Refere: “as duas posições possíveis são a de aceitar a aplicação a partir daí, procedendo-se à divisão de rendimentos ou a de afirmar que a alteração só se aplica no ano seguinte, como defendem Diogo e Mónica Leite Campos e Bacelar Gouveia, por exemplo, posição com que se tende a simpatizar porque há de facto uma integração na constituição financeira que leva a que se deva considerar que existe um princípio de anua lidade que é igualmente aplicável aos impostos” ( Constituição da República Portuguesa Anotada , org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo II, 2006, p. 223). Propendemos para defender a primeira tese, no que se refere à problemática que envolve a Lei n.º 12-A/2010 – divisão de rendimentos – ( pro rata temporis ), porquanto mesmo a considerar o rendimento anual como um todo, os factos tributários que dão origem são susceptíveis de autonomização. Na lição de Alberto Xavier ( Manual de Direito Fiscal , Lisboa, 1974, p. 201) “o rendimento é um facto complexo de formação sucessiva. Complexo, porque consiste num conjunto de factos, circunstâncias ou eventos em que se decompõe; de formação sucessiva, porque se vai desenvolvendo ao longo de uma fracção de tempo que é o período do imposto. A unificação do facto pelo elemento temporal – se é relevante para certos efeitos – não tem a força bastante para destruir o carácter complexo e continuativo do facto e a sua consequente possibilidade de fragmentação legal”.
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