TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
97 acórdão n.º 399/10 Na interpretação que dele faço, não pretendeu o Tribunal, no Acórdão n.º 128/09, romper com o las- tro anterior da sua jurisprudência. Nomeadamente, não pretendeu sustentar que, após a revisão de 1997, o n.º 3 do artigo 103.º pudesse viver isoladamente, sendo, em si mesmo, portador de um sentido que, além de fixo e invariável, se mostrasse apreensível à margem das ponderações que os princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança (estruturantes do Estado de direito) oferecem ao aplicador do Direito. O que se pretendeu – em contexto, aliás, de controlo concreto – foi apenas retirar consequências da consagração, em texto, da proibição da retroactividade, lendo nela um sinal forte de censura quanto às situações mais gravosas de efeitos retroactivos ditos “autênticos”. De resto, a revisão de 97 não pode ter tido como efeito o impossível. E impossível se mostra destacar o princípio constitucional da retroactividade da lei fiscal dos seus antecessores lógicos – o princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança – de modo tal que o campo da retroactividade proibida seja mecanicamente determinado sem a intervenção daqueles princípios. Ao afirmar, logo de início e à margem de qualquer leitura sistémica, que o n.º 3 do artigo 103.º da CRP só proíbe a retroactividade autêntica, e ao ponderar depois se a “retroactividade” existente no caso (e que já se concluiu não ser proibida nos termos do artigo 103.º) lesa ou não os princípios do Estado de direito, o Acórdão opera, em meu entender, uma cisão lógica e metodológica entre o princípio do n.º 3 do artigo 103.º e os princípios do artigo 2.º que a jurisprudência anterior do Tribunal não efectuou, e que nenhuma regra de interpretação constitucional legitima. 3. Assim, e retirando-se do texto revisto em 97 um sinal forte de censura, pelo menos, da retroactividade autêntica, o que, a meu ver, a questão colocada exigiria ao Tribunal seria a ponderação, à luz dos princípios que estruturam o Estado de direito e que dão corpo ao n.º 3 do artigo 103.º da CRP, entre o “tipo” de retro actividade existente nas medidas legislativas sob juízo e o fim relevantíssimo de interesse público que levou o legislador a adoptá-las. Neste contexto, entendi – de acordo com memorando inicialmente apresentado, e que não obteve ven- cimento – que o aumento das taxas de IRS, operado pelas normas pertinentes da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, se mostrava excessivo porque não necessário. A “compensação” de 7/12, afirmada pelo Executivo e invocada pelo Acórdão (a par das dificuldades de realização prática dos meios não retroactivos) para justificar a inexistência de lesão do princípio da protecção da confiança, não é meu ver suficiente para anular o carácter excessivo da medida legislativa. Sendo o excesso aferido, não em função da escolha “aumento/não aumento das taxas”, mas em função da escolha aumento retroactivo/aumento não retroactivo, entendi que ficara por provar que ao legislador ordinário só restava, como único meio possível de consecução dos fins relevantes de interesse público, a via do aumento retroactivo, constitucionalmente censurada. Por isso, votei a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 68.º do Código de IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugado com o n.º 1 do artigo 20.º da mesma Lei. 4. Dos pressupostos de que parti decorre o juízo de não inconstitucionalidade relativo à criação, com efeitos retroactivos, de mais um escalão de IRS, operada pelas normas pertinentes da Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho. E isto, por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, pela natureza inevitavelmente anual do escalão. A anualidade (estrutural e não prática) da medida tornaria impossível ao legislador a escolha do meio mais benigno ou menos oneroso para as pessoas, que seria – recorde-se – não a de deixar de criar mais um escalão de imposto, mas a de deixar de lhe atribuir efeitos de retroacção ao início do ano. Acresce que a medida de criação de mais um escalão se harmoniza com o princípio da progressividade do imposto sobre o rendimento, princípio esse que estrutura o sistema constitucional de justiça fiscal.
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