TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
93 acórdão n.º 399/10 8.2. No Acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro, (…) o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de “retroactividade autêntica” e o tratamento a conferir aos casos de «retroactividade in- autêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou ‘testes’. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do “comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção.». Antes de mais, deve notar-se que, para efeitos dos juízos de ponderação acabados de enunciar, não se vislumbram diferenças substanciais entre as alterações do artigo 68.º, n.º 1, do CIRS provenientes da Lei n.º 11/2010, a qual introduziu um novo escalão e as que constam da Lei n.º 12-A/2010 que procedeu ao aumento do valor das taxas de todos os escalões. 12.1. Começando pelo teste relativo à questão de saber se existe afectação de expectativas, em sentido desfavorável, e se essa afectação constitui uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os desti- natários das normas dela constantes não teriam podido contar, importa averiguar, desde logo, se a Constitui ção tutela a expectativa dos contribuintes de que não haja alterações dos escalões e das taxas de IRS desde o início do ano fiscal até ao seu final – de 1 de Janeiro até 31 de Dezembro. Ora, apesar de a introdução do novo escalão de 45% bem como o aumento da taxa do IRS em todos os escalões terem, por certo, como consequência o aumento do montante do imposto a pagar no momento da liquidação e cobrança do mesmo, isso não significa que exista uma expectativa constitucionalmente tutelada de que essas alterações tenham de ser todas efectuadas pelo legislador logo no dia 1 de Janeiro de cada ano. No caso em apreço, várias foram as razões que levaram o legislador a proceder a essas alterações já no decurso do ano fiscal. Em primeiro lugar, tendo em conta a conjuntura económico-financeira internacional, incluindo a situa- ção dos mercados internacionais, a avaliação da situação financeira portuguesa por parte das instâncias inter- nacionais, designadamente do FMI e da OCDE, bem como as medidas tomadas em Estados-membros da União Europeia em idêntica situação, como foram os casos da Grécia e da Espanha, não seria razoável pensar que Portugal ficaria imune a esta tendência. Em segundo lugar, não é possível afirmar que esta medida fosse algo com que os contribuintes por ela afectados não pudessem razoável e objectivamente esperar, tendo em conta que um dos modos de fazer face à situação económico-financeira do País e, nomeadamente, ao desequilíbrio orçamental, é pela via do aumento
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=